Confira todas as matérias do especial com Israel Andrade antes de ler a entrevista completa!
Carreira de Israel começou por acaso ao comprar sapatos novos
Israel lembra Olimpíadas e Mundiais: “Perdemos grande chance”
Israel comemora situação do basquete: “É bom o NBB ser forte”
Antes de a gente falar sobre a seleção e sobre o título, eu queria que você falasse um pouco sobre o início da sua carreira em Salvador. Você começou no clube Fantoches em Salvador, foi isso mesmo?
Verdade, comecei no clube Fantoches com 15 anos. Comecei com Chico Ávila, joguei no clube Fantoches durante dois anos. Aí, depois desse tempo, vim para São Paulo, para o Corinthians.
Mas por que você resolveu jogar basquete? Como foi esse começo no esporte?
Para ser sincero, eu jogava vôlei na escola. A professora tinha um time de vôlei, eu jogava vôlei. Ela virou para mim depois de dois anos e falou “meu filho, vai procurar o basquete porque o vôlei não dá para você”. Eu salvava tudo quanto é bola, de todo o jeito. Ela me mandou com uma carta e tudo para o pessoal da Associação [Atlética da Bahia]. Me encaminhou para lá para a Associação, fui seis vezes e não consegui falar com ninguém, aí desisti. Depois, eu estava comprando um sapato, foi quando minha mãe falou “levanta para ver se o sapato ficou bom”. Na hora que eu levantei, entrou uma senhora, a mãe de um jogador. Ela fez “meu filho, você joga basquete?”, eu falei “não, fui na Associação e nada”. Ela falou “que associação nada, você vai jogar com meu filho que joga no Fantoches”. Me deu as informações do Chico ali mesmo, eu estava na Cidade Baixa ali perto, meio quarteirão, um quarteirão no máximo. Depois que eu comprei o sapato eu fui lá. Era uma segunda-feira de manhã, à noite eu já comecei a treinar com o pessoal lá.
Então teve uma pitada de sorte no processo?
Teve, porque seis vezes que eu fui na associação e nada, eu já estava desencanado. Falei “ah, não vou mais na associação não”. Eu morava na Liberdade, para ir para a Associação…
Qual Associação era essa?
A Associação Atlética da Bahia. Lá na Barra, ali para trás do Porto. Continua ainda lá, eles venderam meio clube para negócio de apartamento. Mas o pessoal ainda continua “batendo o baba” [gíria de Salvador para pelada, jogo informal] lá.
Então você jogou esse tempo lá em Salvador. Como você veio para o Corinthians? Eles te observaram, você resolveu tentar a sorte…
Tem a sorte, porque eu jogava lá e o Robertinho foi de férias em Salvador. Ele jogava no Corinthians. Ele foi bater uma bola com o pessoal lá do Fantoches. Quando o Robertinho voltou para São Paulo, Cléber, que é um outro baiano também, de Feira de Santana, tinha saído do Corinthians e tinha ido para o Continental. O pessoal do Corinthians estava atrás de um pivô loucamente. Aí comentaram com o Robertinho e ele falou “não, vai lá em Salvador ver Israel”. Calhou que era bem na época de um zonal que teve na Bahia e tudo, o professor Álvaro era o técnico. Ganhamos esse zonal e tudo, joguei muito bem. Eles chegaram e quiseram me trazer para São Paulo. Foi aí que eu vim para o Corinthians.
E como foi a sua carreira no Corinthians?
No Corinthians, eu fiquei dois anos. Fui vice-campeão paulista juvenil, não sei se tive um título pelo Corinthians. Fiquei bem juvenil, dois anos. Teve o Celso, que era um baiano também, que veio para o Corinthians. Ele veio depois que eu vim. Joguei esse tempo no Corinthians, fui para a seleção brasileira juvenil, para o Sul-Americano, joguei o Mundial Juvenil, que as finais foram até em Salvador. Só as finais, porque ele começou aqui em São Paulo. Nós jogamos as primeiras fases no interior de São Paulo. Depois viemos para a capital no mata-mata das oitavas e quartas. Até a semifinal foi aqui em São Paulo, se eu não me engano, ou a semifinal foi lá. A fase final foi em Salvador. Aí depois dessa coisa toda, eu fui para o Monte Líbano. Fui em 1979. O Monte Líbano pegando só jogadores jovens, que saíram estourados do juvenil ou juvenil último ano, que era o meu caso naquela época, e fui para o Monte Líbano. Aí sim começamos a ganhar títulos brasileiros, paulistas, sul-americano, chegamos ao vice-campeonato mundial na Espanha. Foi a aposta que eles fizeram, de pegar jogadores que estavam estourando do juvenil ou que tinham estourado, demorou três anos. Nosso primeiro título foi em 1982. Tinha até nessa primeira fase Mical, um baiano também, que era o técnico do time. Aí depois em 1982 o Mical voltou para o Corinthians, que ele tinha saído do Corinthians antes fazer esse projeto, e assumiu o Amaury Passos no Monte Líbano. Aí nós ganhamos o nosso primeiro título paulista, o nosso primeiro título brasileiro. O paulista, então, foi até uma cesta milagrosa do Cadum, contra o Corinthians, Ibirapuera lotado. E assim foi que começou.
Como você foi para a Europa?
Eu comecei a jogar na seleção brasileira em 1982, no Mundial de Cali. Aí eu joguei esse Mundial, depois eu continuava jogando aqui, a gente ganhando as coisas tudo, ganhando o paulista, brasileiro, sul-americano… E teve também através da seleção uma vitrine grande. Então eu tive esse primeiro contato e me chamaram para ir para a Itália. Fui a primeira vez para a Itália em 1984, depois das Olimpíadas de Los Angeles. Eu só fiquei quatro meses no Livorno, perto ali de Pisa, do mar Adriático. Depois de quatro meses eu fui cortado, não tinha um contrato garantido porque o agente que eu tinha fez dessa forma, tanto que depois eu não fiquei mais com ele. Aí voltei para o Brasil, para o Monte Líbano. O Monte Líbano me recolheu de novo, ganhamos de novo o paulista, o brasileiro e fomos campeões sul-americanos. Nisso, o Marcel saiu em 1986, se eu não me engano, e foi para a Itália. Oscar tinha ido antes, se eu não me engano, em 1982. O Marcel foi depois que eu voltei cortado. Aí ele vai para a Itália, joga em Fabriano e em 1987, logo quando acabou o Campeonato Paulista, eu recebi a ligação do time do Marcel. Ele tinha me indicado e eu fui para fazer nove jogos. O pivô americano deles tinha quebrado o pé, eu ia fazer nove partidas, era o combinado, ia receber por jogo. Eu fui e arrebentei. Acabei que fiz nove jogos, fizeram eu jogar mais 10 jogos, depois desses 10 jogos eles queriam fazer um contrato. Eu falei “não, tenho que voltar para o Monte Líbano”. Eles falaram “no Brasil, você é Israel, mas aqui está conquistando espaço”. Aí a minha esposa falou, o Marcel chegou falando, aí eu disse que ia ficar. Joguei até 1995 na Itália.
Partida do Fabriano, com Israel e Marcel
E como você foi campeão português?
Eu sou bicampeão português. Na época que eu jogava no monte Líbano, quando acabava o campeonato paulista e o brasileiro, começava lá. A temporada lá é diferente da nossa. Eles começam a temporada deles, por exemplo, entre 1979/1980 – que foi a primeira que eu fui. Então já tinha acabado todo o meu compromisso aqui no Brasil e eu recebi o convite para ir jogar a fase final lá, os três meses de campeonato. Aí eu fui, na primeira vez com muito medo porque foi feito através de um casal português que falava em nome do presidente, eu fiquei meio assustado. Eu tinha 19 anos, falei “como é que vai ser?”. Mas aí eu fui, fomos campeões, era um time muito bom, o Sporting de Lisboa. Mas fui, joguei muito, joguei bem e fomos campeões. Tudo o que eles tinham me prometido, que eles tinham falado foi cumprido. Voltei para o Brasil e no ano seguinte eles me chamaram de novo, aí já fui com mais confiança. Eu já estava com uma companheira e fui com ela. Aí eu já fui tranquilo, mas não tive as mesmas mordomias da primeira vez. Mas não me arrependo, fomos bicampeões portugueses. Porque aqui no Brasil tinha um calendário e, coincidentemente, esse calendário terminava e estava jogando lá os quatro últimos meses de campeonato. Eram os últimos jogos da fase de classificação e as finais. E uma coisa que ajudava era que eu ia como português, tinha o fato de o Brasil e Portugal terem essa ligação. Só depois que Portugal entrou na comunidade europeia, eles pararam de fazer esse tipo de coisa, senão é muito fácil entrar através de Portugal com os documentos todos legais. Eu tinha a identidade portuguesa, tinha os documentos todos portugueses.
Fase final do Campeonato Português entre Sporting e Benfica
Agora vamos falar um pouco sobre a seleção. Você já mencionou o Mundial de 1979, como foi a sua reação ao saber que você foi convocado para a seleção brasileira? E, por coincidência, acabou disputando as finais lá em Salvador…
Primeiro foi o Sul-Americano. Era um Sul-Americano muito forte, muito disputado, que foi no Uruguai. Jogamos em Montevidéu, ganhamos, fomos campeões jogando em Montevidéu com a seleção do Uruguai. Depois, veio, naturalmente, a convocação para o Mundial. Se eu não me engano, foi o primeiro Mundial da categoria, e eu fui convocado junto com a maioria do pessoal que estava nesse Sul-Americano. E eu fiquei feliz, já estava feliz no Sul-Americano, no Mundial então fiquei muito mais. Mortari era o técnico. Jogamos essa primeira fase no interior, depois viemos para São Paulo e as fases finais foram em Salvador, no Balbininho, que não existe mais, que é uma pena para a história não só do basquete, mas do esporte baiano. As finais foram lá e, a cada jogo, a torcida baiana lotava o Balbininho, então foi fantástico.
Nesse Mundial, vocês jogaram contra a seleção dos Estados Unidos. Naquele time, tinham jogadores que depois foram estrelas da NBA. Você lembra desse jogo, especificamente? Você achou que eles eram realmente diferenciados?
A seleção americana era, e nós fizemos um jogo duríssimo com eles. Não sei quanto terminou no final, mas sei que foi um jogo muito bom. Eles tinham um time muito forte, né? Acho que mais da metade daquele time ali jogou a NBA em alto nível.
Na década de 80, você fez parte de uma das melhores gerações da história do basquete brasileiro. Sua participação na seleção principal começa no Mundial de 1982 e você foi até a Olimpíada de 1992…
E eu joguei o pré-olímpico também em 1995, mas não fui para a Olimpíada. Joguei só o pré-olímpico.
Nesse Mundial de 1982, o time já tinha você, já tinha Oscar, Marcel, mas vocês acabaram ficando em oitavo lugar, depois até de perder um jogo para a Austrália na prorrogação.
Esse jogo aí é uma história engraçada. Nós estávamos ganhando esse jogo em cima da Austrália de 20 pontos, aí de repente acaba a luz. Acaba a luz, faltou luz, e quando voltou, nós que estávamos um leão parecíamos uns gatinhos. A Austrália ganhou por mérito, virou e ganhou. Depois nós fizemos um jogo contra a Rússia memorável. Se eu não me engano, foi um ou dois pontos. Mas jogamos assim porque, se a gente ganhasse da Rússia, passava a gente e a Rússia. Eles tinham ganhado da Austrália de muito. Eram duas gerações, você falou de Marcel e Oscar, mas tinha Carioquinha, tinha o Marquinhos, tinha Gilson, baiano que também jogou na seleção. Era uma seleção assim, alguns que estavam vindo e outros que já tinham experiência de seleção. Nós não tivemos a sorte que seria merecida pelo time que nós tínhamos. Mas o esporte é assim, não só o basquete, o esporte é cruel.
Trechos da final do Pan-Americano de 1983
Aí no ano seguinte vocês foram campeões sul-americanos e prata no Pan de 1983, antes dos Jogos Olímpicos de 1984…
Não só isso, mas teve o Mundialito aqui no Brasil. Fomos campeões sul-americanos, no pan-americano nós fomos vice, perdemos para os Estados Unidos em Cali. Fomos campeões do Mundialito. Classificamos invictos no pré-olímpico, que foi também em 1983. Nossa, aquele ano de 1983 foi maravilhoso para a gente. Porém, 1984 uma decepção total.
Vocês acabaram perdendo além da Austrália, para a Itália, para a Iugoslávia… Todos, jogos que vocês poderiam ter vencido.
Sim, mas não é só isso. De novo, seis jogadores que estavam chegando. Outros que já estavam na seleção, como Oscar, Marcel… Mas outros tantos chegando, Gerson, eu, Mauri, se eu não me engano. Agora não lembro todos os jogadores. Outros jogadores, que eram Marquinhos, Carioquinha, Adilson… Então, coisa que nós ganhamos em 1983 e tudo, nós sentamos em cima daquelas conquistas. Achávamos que “ah, agora estamos bonitos”. Porque isso, esse pensamento? Porque também teve boicote da União Soviética na Olimpíada de Los Angeles. Então nós achávamos que estávamos por cima da carne seca. Uma vez, mais uma vez, o esporte não perdoa, é cruel e ficamos em nono. Assim, com um time que, se você visse, falava “não é possível que esse time ficou em nono”.
Foi a sua primeira Olimpíada. Tem alguma história que se destacou na sua memória?
Ah, a primeira Olimpíada o que mais chama atenção é a Vila Olímpica e o desfile. São as coisas que mais chamam a atenção, que mais emociona. E lógico, o fato de estar disputando a primeira Olimpíada e tudo, não tem preço. É uma coisa fantástica na época. Para qualquer atleta, você ir jogar a Olimpíada, é o auge. Não tem outra meta maior do que a Olimpíada. Para jogar uma Olimpíada, antes você tem que jogar três coisas, porque antes tem Mundial, tem Sul-Americano, tem Pan-Americano. A Olimpíada é o ápice.
Depois da decepção de 1984, vocês voltaram. Em 1985, vocês foram campeões do Sul-Americano…
Mas aí teve a mudança. Em 1983 e 1984, era Brito Cunha o técnico. Brito Cunha com Amaury Passos, que era do Monte Líbano. Aí em 1985 já voltou o Ary Vidal, que tinha sido técnico até 1979. Como Ary Vidal tinha brigado com o pessoal da velha guarda, mais experiente, a partir do momento em que ele chega em 1985 ele não convoca mais nenhum desses jogadores. Convoca essa base que nós tínhamos de seis e mais outros jogadores. Aí começa uma outra trajetória.
Que começa com o título do Sul-Americano em 1985.
Se não me engano, nós jogamos esse campeonato aqui no Brasil.
E o Mundial de 1986.
Perdemos uma grande chance.
Semifinal do Mundial de 1986
Vocês estavam no primeiro lugar do grupo inicial, depois ficaram no segundo lugar, só perdendo para a União Soviética.
Mas nós perdemos uma grande chance aí nesse Mundial. Nós jogamos contra o time dos Estados Unidos, que era um time bom, só que eles tinham perdido na fase de classificação dois jogos. Eles perderam para a Argentina e para Porto Rico. O pessoal da Argentina e de Porto Rico falava “vocês têm que defender zona, que eles matam na bola”, e nós nos preparamos para isso. Acho que foi um erro nosso. Nós tínhamos que ter aquela informação na manga para usar durante o jogo, e nós já saímos marcando zona e foi um desastre. Todas as bolas que eles não meteram antes, contra o Brasil eles arrebentaram. Meteram tudo quanto é tipo de bola de três, foi o campeonato que começou as bolas de três foi em 1986. Eles chegaram, arrebentaram as bolas de três, quando nós fomos ver, já era tarde. Acho que nós deveríamos ter saído até então como nós fazíamos e durante o jogo jogado com a zona. Mas é aquele negócio, eu sou muito assim, de pensar. Quando não é para ser, é complicado.
E na disputa do terceiro lugar vocês também perderam para a Iugoslávia. Eles tinham um bom time na época…
Perdemos, tomamos um vareio da Iugoslávia. Era um timaço. Tinha os irmãos Petrovic, jogadores assim que agora me fogem o nome, mas um time completíssimo.
Disputa do bronze contra a Iugoslávia
Mas depois desse quarto lugar em 1986, veio a consagração da geração, com o título do Pan.
Já poderia ter vindo alguma coisa melhor em 86, mas é o esporte. Aí eu digo – o destino. Porque o que nós jogamos com os Estados Unidos, cara, eles também saíram de cara metendo 30 pontos na gente. Nós parecíamos barata tonta na quadra. A nossa sorte era o estilo americano de fazer as coisas. Eles tiram cinco, põem cinco. Não é que eles fazem isso por menosprezo nem nada, é o estilo deles, que eles fazem naturalmente. Por 15 minutos nós sofremos, nesse primeiro tempo. Depois, nos últimos cinco minutos finais, nós nos ajustamos um pouco e terminou o primeiro tempo com 14 pontos. Aí fomos para o vestiário, na saída vimos o pessoal passando com champanhe para o vestiário americano, toda aquela coisa. Falamos “pô, os caras já estão com a festa pronta”. Aí voltamos para o jogo, quando começa, nos cinco minutos iniciais os caras de novo já abrem 25 pontos. Aí fomos aos poucos. Acho que um fato principal foi, acho que nos sete minutos de jogo do segundo tempo, quando David Robinson fez a quarta falta. Foi para o banco e o time americano praticamente se perdeu, não sei o que aconteceu. Aí nós fomos tirando, sei que quando faltou dez minutos o jogo estava empatado. Ficou aquela coisa, aquele desafio, Marcel e o pessoal de fora falando “vai, chuta agora que eu quero ver”. Os caras todos assustados, toda a confiança que eles tinham antes, para eles não existia mais, e para a gente tudo o que deu certo para eles estava dando certo para a gente. Começamos a pegar rebote de defesa e ataque, fazer contra-ataque, fazer cesta fácil, tudo que eles fizeram com a gente. Eu falo que para essa saída de David Robinson, uma pessoa essencial foi Paulinho Villas Boas. Ele fez três faltas em cima dele, se não me engano. Paulinho Villas Boas penetrava, fazia dois tempos e recebia a falta. Se eu não me engano, a quarta falta de David Robinson foi que ele pendurou, deu uma cravada e ficou pendurado no aro. Aí para a gente foi uma maravilha. Quando ele voltou, não passou muito tempo e ele fez a quinta falta e o time americano completamente…
O psicológico…
Isso, eu não sei o que aconteceu. Como a maré mudou, né? É a mesma coisa que eu falei do Mundial da Espanha. Nós tínhamos tudo para se dar melhor e não demos. No Pan-Americano, tudo estava a favor dos americanos e de repente a maré mudou.
E como foi a preparação psicológica para chegar lá? O que Ary Vidal fez com o grupo, ou foi uma coisa mais de vocês pensando que tinham que vencer?
Acho que foi uma preparação toda, que começou com Barbante, o professor Barbante que era o preparador físico, trazendo inovações para a forma de fazer o preparo físico na seleção e tudo. Com os treinamentos que o Ary não dava, mas quem dava era o Medalha. O Ary era muito bom dentro de quadra. Então foi um conjunto de obra, né? Que culminou nesse momento aí. Perdemos jogo para o Canadá na primeira fase, mas logo em seguida batemos o recorde Pan-Americano em termos de pontuação contra a Venezuela. Perdemos o jogo para o Canadá que nós não achávamos nunca que íamos perder. Mas é jogo, né, perdemos, ficamos meio abalados mas logo em seguida com essa quebra de recorde a confiança voltou. Continuamos jogando, fizemos a semifinal com o México e a final com os Estados Unidos. Ary Vidal chegou, entrou no vestiário, todo mundo esperando aquela preleção dele. Ele entrou e falou “joguem e nada mais”, em castelhano. E saiu do vestiário, a gente ficou olhando um para o outro e tivemos que ir jogar. Mas eu tenho que ser sincero: a gente não achava que nós íamos ganhar do time americano. O time americano era um timaço, tinha o David Robinson, tinha o Danny Manning, tinha o Rex Chapman, o matador de bola, como outros tantos jogadores bons de infiltração e matadores de bola. Mas a gente disse “ah, vamos jogar até para ver o que vai acontecer”. E é aquele negócio que eu acabei de falar para você: mudou. A maré virou, não se sabe como, é coisa do esporte, que não tem explicação lógica. Aconteceu o que aconteceu e nós ganhamos o jogo.
Final do Pan-Americano de 1987
Depois do Pan, vocês chegaram na Olimpíada de 1988 como os favoritos, dado o retrospecto. Vocês fizeram nas quartas de final a partida contra a União Soviética, considerada uma final antecipada, dada a qualidade dos dois times. O que você lembra desse jogo?
Foi um jogaço. Nesse jogo eu até vou poder falar de mim porque teve um pessoal que me mandou os melhores momentos desse jogo meu. Aí eu sei que fiz 22 pontos, peguei 10 ou 12 rebotes, ou mais. Está no YouTube, você põe lá Israel Andrade e vai ver esse momento. Nossa, foi um jogaço. Todo o time jogou bem. Acho que uma bola, do Oscar, se não me engano, ele até hoje se lamenta daquela bola que não deveria ter forçado.
No final do jogo, vocês estavam vencendo, eles empataram e viraram. No último minuto, Oscar forçou um arremesso de dois para tentar empatar o jogo, ele estava marcado. Ele acabou errando, aí no contra-ataque eles abriram quatro pontos e vocês não conseguiram chegar mais.
Eu até falo que ele não deveria ter feito, que foi uma bola que ele forçou, mas é coisa do momento. É dentro do esporte, seja ele qual for. Você tem que tomar uma decisão ali no momento, pode ser acertada ou errada. Só vai ser certa ou errada depois que você fez a ação. No momento eu achei que ele fez certo, mas hoje em dia a gente se fala e tudo, e já foi comentado isso. No momento, ele tomou a decisão que ele achava que devia tomar. Ele fez um partidaço também. Se você botar os melhores momentos desse jogo no YouTube, tem do Oscar também. Então nós fizemos uma partida, assim, da vida. Fantástica. Mas, infelizmente, deu a União Soviética, que foi campeã na final jogando contra os Estados Unidos.
Eles tinham na época o melhor jogador do mundo, que era o Sabonis.
Sabonis, que jogou com os dois tendões operados. Tanto que o time americano ficou até bravo com o pessoal do Portland Trail Blazers porque eles recuperaram os dois tendões de Sabonis e ele jogou. Mas não era só o Sabonis. Acho que a pessoa fundamental nessa Olimpíada foi Volkov. Ele jogava de tudo, de armador, de pivô, de lateral. Tinha 2,10m, se eu não me engano, e era um jogador versátil.
Depois da Olimpíada de 1988, a geração começou a ficar envelhecida. Mesmo assim, vocês chegaram no Mundial de 1990 e ficaram em quinto lugar. Como foi essa participação?
Aí já era o técnico Hélio Rubens. O Mundial foi na Argentina. Tivemos também a decisão, que poderia ficar melhor para a gente. Nós fizemos o jogo contra a Iugoslávia, se não me engano. Nós tínhamos que entregar aquele jogo, como a Iugoslávia entrega jogo, como a Rússia entrega jogo. Não lembro agora com quem foi.
Como é planejamento da competição…
É, você tem que fazer isso. E nós chegamos “não, para ser campeão tem que ganhar de todo mundo”. Só que, se a gente perdesse pegava Porto Rico, que era um time que a gente estava acostumado a jogar. Sempre vencíamos o time de Porto Rico. Mas o Hélio Rubens tomou essa decisão e eu sei que o outro time também queria entregar. Entregou o jogo para a gente. Nós ganhamos esse jogo, fomos e cruzamos com os Estados Unidos. Aí depois fomos disputar de quinto a oitavo, terminamos em quinto. É uma coisa que eu acho que deveria ter entregado. Tinha o Goodwill Games que nós jogamos. Uma vez, jogamos em Los Angeles contra o time da Iugoslávia, que tinha os irmãos Petrovic, todo o pessoal forte. Nós ganhamos de 20 pontos dos caras, pensamos “não acredito, nós estamos bem”. Eles entregaram o jogo porque nós ganhamos deles e cruzamos com os Estados Unidos. Eles fugiram dos Estados Unidos e foram jogar a final. Esse tipo de coisa que nós achamos que temos receio de fazer, e os caras não têm pudor nenhum de fazer. E eles estão certos. Se é uma coisa boa para o seu time, tem que fazer. Se tiver que entregar, entregar o jogo. E eles eram muito bons em fazer isso, tanto a Iugoslávia como a Rússia.
Partida contra a Iugoslávia
E por fim, em 1992, os Estados Unidos formaram o Dream Team, que dominou completamente a competição. Eles jogaram contra o Brasil. Como foi esse jogo contra o time considerado o melhor de todos os tempos?
Começou em 1987 essa mudança. Eles já pleitearam para tentar na Olimpíada de Seul ir com os profissionais, porque era o grande sonho. A Olimpíada era o ápice de tudo. Os caras jogavam a NBA, mas o sonho do Magic Johnson, do Larry Bird, era jogar uma Olimpíada. E de tantos outros jogadores que foram depois. Jordan já tinha jogado, os caras que tinham jogado na universidade tinham jogado a Olimpíada. Outros, que saíram cedo para a NBA, não jogaram. Então o sonho deles era esse. Em 1988 não deu certo, mas já ficou acertado que em 1992 já entraria. Culminou que eles perderam em 1987, 1988 e se concretizou em 1992. Cara, não tinha jogo. Nós fomos o time que perdemos de menos. Se eu não me engano, foram 20 pontos. E eles não ganharam de ninguém menos do que 20. Mas é assim, não tem como. Nós levávamos a máquina para poder tirar foto com os caras antes do jogo. Era tudo ídolo que você via só na televisão. Então foi isso, esse tipo de coisa que aconteceu. Não era jogar, era o encantamento que nós tínhamos com o pessoal da NBA, principalmente o Magic, o Larry Bird.
Mas a geração ainda tinha chance de conquistar um bronze ali em 1992.
Sim, tinha. Mas é complicado. É como você falou, o time já estava mais velho, era mais experiente e tudo. Se bem que nós fizemos uma boa Olimpíada, terminamos de novo em quinto. Foi uma boa Olimpíada. E para a gente terminou sendo fechado aquele ciclo. Depois veio o novo pessoal, a nova geração, que jogou o outro Mundial, acho que já não tinha mais ninguém que jogou em 1992. Eu não estava, se não me engano o Marcel não estava, mas o Oscar eu não sei se estava no Mundial de 1994. O que aconteceu foi que o pessoal não classificou para o Mundial. Não classificaram para várias coisas. Aí em 1995 voltou o Ary Vidal, e ele chamou Oscar. Ele chegou, eu fui convocado, foram convocadas outras pessoas, fomos e classificamos. O pré-Olímpico foi na Argentina, contra aquele time da Argentina que estava surgindo, a geração fantástica da Argentina. Fomos, classificamos, mas só Deus sabe como. Nós perdemos jogo acho que da Venezuela de não sei quanto, aí tinha que ganhar de Cuba. Sei que fizemos tudo isso, conseguimos classificar. Classificavam três na época, foram Argentina, acho que o Canadá e nós classificamos em terceiro. Foi quando eu voltei para a seleção depois de 1992. Aí eu voltei pela chantagem não, mas pelo bem do basquete. Eu não pensava mais em seleção, acho que eu já tinha dado minha contribuição para a seleção no período que eu joguei realmente. Mesmo assim, voltei, jogamos, classificamos, mas aí depois eu não fui para Atlanta. Deveria ser a Olimpíada na Grécia, mas por motivos comerciais foi em Atlanta. Aí eu não fui convocado para a Olimpíada, mas eu não me arrependo porque eu já tinha ido para três. Foi legal que foi o Caio, que jogava na época no Corinthians, aí ele foi para a Olimpíada e tudo. A primeira dele, ficou super feliz. Para mim, ficou de bom tamanho.
Hoje em dia, a gente consegue olhar e perceber que foi uma das melhores gerações de todos os tempos do Brasil. Mas quando vocês estavam jogando, vocês tinham consciência disso? Ou tentavam evitar pensar essas coisas e se concentrar só em jogar?
Acho que a gente não pensava não, a gente jogava. A gente queria fazer o melhor. É aquela coisa, tinha o prazer de jogar na seleção, coisa que hoje em dia fica complicada. Não posso ser injusto e dizer que as pessoas que jogam na NBA não têm prazer, acho que elas têm prazer, mas acho que as exigências, os compromissos, são tantos que a seleção fica em segundo plano. Às vezes, não por culpa do atleta, mas pela circunstância das coisas. Eu, na minha época de jogar na seleção, eu fui obrigado a dizer não para uma convocação da seleção. Foi no Pan-Americano de Cuba, em 1991. Eu estava no time da Itália em Fabriano, saí de lá e fui para Rimini. A exigência do clube era para que eu fizesse a pré-temporada com o time desde o início, desde o primeiro dia. Eu cheguei, virei para o pessoal e falei “por essa circunstância, fica complicado eu ir”. Eles tentaram de todas as formas lá na Itália, mas eu falei que mesmo assim, não poderia. “Não posso chegar no time, na cidade que eu estou mudando e dizer que não”. Foi a primeira e única vez que eu disse não à seleção. Por isso que eu falo que, nessa geração de hoje, é complicado. Eles jogam na NBA, tem outros fatores, tem seguro, às vezes a pessoa tem uma temporada muito puxada, com muitos jogos e tá machucada. É complicado. Mas a gente não pensava não. E eu digo assim, essa geração de hoje, se a gente botar no papel, é uma geração fantástica. Eu acho.
E como você vê a situação atual do basquete brasileiro? Voltamos a disputar uma Olimpíada depois de mais de dez anos em 2012, depois fomos de novo para o Rio. Essa geração da NBA, que antes não tinha conseguido, foi finalmente em 2012. Como você vê esse momento?
E conseguiram completamente sem o pessoal da NBA. Eu digo no pré-Olímpico, na classificação, estava só o Tiago Splitter, que ainda não fazia parte da NBA, estava ainda na Espanha. O grande causador da nossa classificação foi o Rafael Hettsheimeir. Ele que foi o grande responsável pela nossa classificação, que ocorreu na Argentina. Ganhamos lá, classificamos Brasil e Argentina. Então para você ver, é aquela coisa. Acho que estamos em um momento bom do nosso basquete. Tem o NBB, que faz aí tudo. Lá em Salvador, dá gosto de ver o Vitória, a campanha que eles fizeram, muito bem. Acho que chegaram mais longe do que eles mesmos esperaram como projeto. Se eu não me engano, é o segundo ano do Vitória, e eles chegaram mais longe com o Régis Marrelli. Foi uma coisa legal para o basquete, e foi uma coisa boa acontecer como aconteceu. Os quatro de quinto a oitavo chegaram e desbancaram os times que estavam de primeiro a quarto. Foi uma coisa legal. A final foi disputada entre o quinto e o sexto, Bauru e Paulistano. Foi uma coisa fantástica, basquete foi emocionante, está indo no caminho certo. A Confederação agora está no caminho certo, tem o Guy Peixoto que já arrumou toda a casa, já reverteu o Brasil não poder disputar mais, que estava tendo uma intervenção velada pela Fiba, né? Não estava tendo de concreto, porque eles queriam fazer concretamente, mas graças a Deus o Guy não deixou isso acontecer e já reverteu. O Brasil já pode disputar competições internacionais com todos os times, tanto em fases de time quanto de seleção. Eu acho que nós já estamos no caminho certo. Tem vários projetos da Confederação, fazendo uma sede para treinamento em Campinas, depois vai ser em Jacaraí ou Jundiaí, agora me fugiu. Mas estão tendo coisas boas para o basquete. É bom o NBB ser forte, ser independente como tem sido, e acho que só quem ganha é o basquete brasileiro.
Você falou rapidamente sobre a geração da Argentina que estava surgindo quando você estava se despedindo da seleção. O que você pode falar então sobre eles, que conseguiram ser campeões olímpicos, vice-campeões Mundiais, e coincidiu com a época de baixa do Brasil?
É o negócio de tudo conspirar para o certo. Eles conseguiram isso, foram campeões olímpicos, vice no Mundial… É como eu dei o exemplo do NBB deste ano, do ano passado, 2016/2017. Quem é que apostaria na Argentina para ser campeã olímpica e vice Mundial? Ninguém. É aquela coisa que acontece e fica marcada como aconteceu o nosso título e ficou marcado.
E 30 anos depois do título de 1987, qual o balanço que você faz disso para a história do esporte brasileiro? Você acha que vocês realmente marcaram o seu espaço, que vocês são esquecidos?
Acho que nós marcamos. Marcamos o nosso espaço como as gerações anteriores marcaram. Nós não podemos esquecer também que a geração anterior fez muito bonito pelo esporte brasileiro…
Foi bicampeã mundial…
Mas aí nós estamos falando muito para trás. Estou falando da de Marquinhos, Adilson, mesmo Bira conseguiu jogar nessa geração. Eles foram terceiro lugar no Mundial das Filipinas em 1978. Fizeram uma grande Olimpíada. Se a gente voltar ainda mais para trás, tem a geração do Wlamir, Amaury, Rosa Branca, Jati, Edvar, aí vamos cair naquele negócio que eles foram bicampeões no Mundial e ganharam duas medalhas de bronze em Olimpíadas. Como cada um na sua época marcou, a nossa geração também ficou marcada. E ficou marcada mais por esse título, que foi uma coisa inédita. Se os Estados Unidos não tivessem perdido em casa e tudo, não ficaria tão marcada. Ficou marcada por isso: a primeira vez que eles perderam uma competição oficial dentro dos Estados Unidos. Para você ter uma ideia, os caras não tinham o hino brasileiro no ginásio. Eles tiveram que sair correndo para ir buscar o hino brasileiro no ginásio do futebol.
Demorou quanto tempo?
Eles enrolaram uma meia hora, quarenta minutos para poder ir e voltar. A sorte é que era perto, não era muito longe. Eles quebraram o protocolo de premiação porque antes do masculino teve a final feminina, que o Brasil perdeu para os Estados Unidos. Eles quebraram completamente o protocolo. Eles primeiro fizeram a premiação do masculino para depois fazer a do feminino. Era o contrário: primeiro a do feminino e depois a do masculino. Mas você acha que o americano ia querer terminar com o hino que não fosse do país dele? Com o hino brasileiro? Não queriam, então eles quebraram. Não sei como eles conseguiram, mas fizeram. Demoliram aquele ginásio, hoje em dia é um estacionamento. Eles tentaram apagar tudo, mas está aí na história. São 30 anos e nós estamos falando aqui dessa coisa, que foi uma coisa legal.
Você acha que falta, dos times de futebol, um estímulo para os esportes olímpicos?
Se você pegar o exemplo dos times de São Paulo e do Rio, falta. Tem o time do Rio, o Flamengo, que tem o basquete e outros esportes olímpicos. Já faz, já está incutido. Eu acho que pode ser conjugado os dois, tanto o futebol como o esporte olímpico formador, para poder criar novos atletas e dar chances a novos atletas. Pega o meu exemplo, eu comecei a jogar basquete com 15 anos, sempre fui alto. Quantos lá em Salvador devem ter com a mesma situação? E que não tenha uma pessoa que fale “vamos aqui, vamos jogar”? O Vitória eu sei que tem na parte do futebol, o Bahia também, são grandes formadores. O Vitória está sendo agora na parte do basquete. Tem que ter um bom trabalho de base, tanto que ele ganha tudo. Se eu não me engano, o Bahia nem tem nada em termos de basquete. É uma pena.
Se você quiser deixar algum recado, falar mais alguma coisa…
Eu já botei tudo. Já dei parabéns para o basquete lá do Vitória, apesar de eu ser Bahia, estou dando parabéns porque estão fazendo um grande trabalho. Continuo jogando como veterano, jogo muito com o pessoal lá, com o Carlinhos Najar, o Valdir, que a gente joga ainda em termos de seleção pela seleção paulista. Quando tem Mundial, jogando pela seleção brasileira master. Disputei agora a minha terceira Macabíadas, um jogo da comunidade judaica. É a terceira maior competição do planeta. Em 2013, fomos campeões, esse ano nem tanto, fomos muito mal. Mas é assim mesmo, continuo jogando, continuo me divertindo, porque agora eu digo que eu não jogo, eu brinco. Nós não podemos ser hoje em dia o que nós já fomos. Temos que respeitar a idade, temos que respeitar a condição física. Antes era um tipo de treinamento, hoje praticamente a gente não treina. Vai, joga e brinca. Mas sempre procurando fazer o melhor para o basquete.