“Foi a junção de qualidade, muito trabalho, muita dedicação, vontade e entrega”. A frase é da pivô Alessandra, uma das atletas que tem seu nome marcado na história do basquete feminino do Brasil por conta da série de conquistas da seleção durante a década de 90.
A geração daquela seleção brasileira fez história, mas se engana quem pensa nos campeonatos de basquete feminino disputados pelo Brasil e só se lembra dos títulos e medalhas olímpicas. A equipe que tinha como base Paula, Hortência, Janeth e companhia fez mais do que os pódios para o país.
Para conseguir mostrar em números e resultados o que a geração que representou o Brasil no basquete feminino nos anos 90 fez, a reportagem do Olimpíada Todo Dia optou por usar três competições como parâmetros: Jogos Pan-Americanos, Campeonato Mundial e Olimpíada.
Durante a década em questão, como nos Jogos Pan-Americanos de 1995 o torneio da modalidade não aconteceu, a seleção brasileira disputou 11 competições e ficou entre os quatro melhores colocados em seis deles, sendo que levou o ouro em dois.
“Não foi só a nossa dedicação, resiliência, qualidade. Teve uma questão de fortalecimento dos times do país, presença na mídia, tudo junto ajudou aquela geração”, disse Magic Paula.
Até Fidel se rendeu
A caminhada dourada daquela seleção começou em Cuba. Nos Jogos Pan-Americanos de Havana, em 1991, até Fidel Castro se rendeu aos dribles de Paula, Hortência, Janeth e companhia. Na decisão, contra as donas da casa, as brasileiras ditaram o ritmo e conquistaram o título que não vinha havia 20 anos.
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Antes do mundial de 1994, o Brasil disputou a Olimpíada de Barcelona-1992. Foi a primeira participação da equipe em Jogos Olímpicos, que terminou em sétimo lugar entre oito participantes.
Período de glórias
Nos últimos seis anos da década uma sequência de tirar o fôlego. Em 1994, na Austrália, o primeiro, e até o momento único, título mundial do basquete feminino. Nos Jogos de Atlanta-1996, veio a conquista da primeira medalha das mulheres na modalidade em Olimpíadas, com a prata.
Em 1998, já sem a presença de Hortência, o Brasil ficou com o quarto lugar no Mundial da Alemanha e se manteve entre as melhores seleções do mundo. E nos Jogos Olímpicos de Sydney-2000, agora também sem contar com Paula, ficou com o bronze.
Presente na maioria das conquistas do basquete feminino do Brasil durante o período, Alessandra relembra com alegria das conquistas e das conversas que tinha com as companheiras de time sobre a seleção brasileira.
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“A gente sempre teve qualidade, no Mundial de 1971 as seleção chegou ao pódio e foi bronze, então sempre teve qualidade. A diferença foi a forma como aquela geração encarou as coisas e viu que dava. Nos times em que eu joguei na Europa sempre me perguntavam como a gente conseguia, de um jeito ou de outro, se manter entre as quatro melhores seleções do planeta por tanto tempo”.
‘Mas quem é o Miguel?’
Já estava próximo do Mundial de basquete feminino quando a Confederação Brasileira de Basquete anunciou que Miguel Ângelo da Luz seria o técnico. Apesar de assumir o cargo de treinador daquela equipe, o comandante era apenas alguns meses mais velho que Hortência, a mais experiente do grupo, e nunca havia trabalhado com o basquete feminino.
“A primeira coisa que nós fizemos foi tentar descobrir quem era ele porque ninguém sabia. Depois a gente soube que ele nunca tinha trabalhado com o basquete feminino e eu fiquei um pouco preocupada. Mas ele veio para somar, com a ideia de motivar e tentar tirar o melhor de nós e deu certo’, comentou Hortência em entrevista dada ao “Bandsports”.
Apoio existiu, para algumas
Se a realidade hoje é difícil para a modalidade, na década de 90 não era muito diferente. Apesar de Paula, Hortência, Janeth e companhia terem conseguido alavancar o país para o título mundial e o pódio olímpico, o apoio e a estrutura era algo que faltava em determinados momentos.
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“Não vou mentir que existiu sim em alguns momentos, mas para algumas e em determinadas ocasiões específicas. Eu cansei de treinar com uniforme do masculino e de comprar tênis com dinheiro do próprio bolso para jogar pela seleção em alguns Mundiais e Olimpíada”, comenta Alessandra.
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Já Paula vê aquele período de ouro do basquete feminino do Brasil de forma diferente. A ex-armadora da seleção reconhece que houve uma dificuldade para que o apoio e os patrocínios chegassem, mas eles chegaram.
“Foi difícil em um momento, no começo para que o apoio e para que os patrocínios viessem, mas eles vieram. Não só porque nós conseguimos os resultados nos campeonatos, mas porque a gente lotava ginásio, porque existia a ‘rivalidade entre eu e a Hortência, porque nós estávamos sempre na mídia e isso ajudava nesse sentido”.
O passado ficou para trás
Hoje, quando se fala sobre o basquete feminino no Brasil, ainda são lembradas as atletas que faziam parte da equipe durante os anos 90. Todas merecem ser lembradas por tudo que fizeram e conquistaram pelo país. Mas por que não falar também das atletas que atuaram com a camisa verde e amarela nos últimos anos?
Queda de desempenho
A última conquista do Brasil, em campeonatos de grande porte, aconteceu em 2000, na Olimpíada de Sydney. Se levarmos em consideração as disputas pelas medalhas, podemos incluir nesta lista a Olimpíada de Atenas, em 2004, e o Mundial de 2006, realizado no Brasil, em que a seleção ficou com o quarto lugar.
Contudo, desde então o desempenho do Brasil teve uma queda considerável. Apesar do título dos Jogos Pan-Americanos de Lima, do bronze em Guadalajara-2011 e do quarto lugar em Toronto-2015, quando olhamos para Olimpíada e Campeonato Mundial a distância para o topo é ainda maior.
Nos Jogos Olímpicos, depois de ficar entre as quatro melhores seleções da competição em três edições seguidas, o Brasil foi o 11º colocado em 2008, 2012 e 2016, vencendo apenas dois jogos em 15 disputados.
Já quando falamos de Campeonato Mundial, o basquete feminino brasileiro vem piorando seu desempenho conforme os anos. Em 2010 a equipe foi eliminada na segunda fase, em 2014 não passou das oitavas de final e em 2018 não se classificou para a disputa.
“Eu não consigo avaliar o basquete feminino do Brasil só pelos resultados porque seria uma avaliação muito míope. Acho que o que temos hoje é fruto do que foi feito em quase 20 anos de gestões erradas da CBB (Confederação Brasileira de Basquete), em que o feminino sempre foi deixado de lado. Além disso, a falta de ter uma liga nacional forte, que dure mais tempo também afeta. O fato de não pensar no futuro, nas novas gerações, não ter um planejamento. A atual gestão faz o que pode, não o que seria preciso. Esse descaso que existiu matou algumas gerações do basquete feminino do Brasil”, finalizou Paula.