Se tem um nome do basquete brasileiro que não perde força jamais é o de Maria Paula Gonçalves da Silva, mais conhecida como Magic Paula. Hoje com 58 anos, a ex-armadora encantou o mundo com a conquista do Mundial de 1994 na Austrália ao lado de nomes como Hortência e Janeth.
Com direito também a um ouro nos Jogos Pan-Americanos de Havana, em 1991, e uma prata nos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996, Magic Paula se despediu das quadras em 2000, atuando pelo BCN/Osasco.
“Desde que eu parei de jogar sempre consegui assistir como espectadora, nunca me senti jogando, nunca pensei ‘eu faria assim’. Acho que talvez por eu ter me preparado, não ter deixado ficar resquícios”, contou a jogadora em entrevista à Confederação Brasileira de Basquete (CBB). “Eu acho que consegui me programar, me preparar. Eu estava cansada, não de jogar, mas cansada daquela vida de treinos, de viagens, de ausências. Queria ficar em casa, definir o final de semana”, explicou.
Técnica, nem pensar
Passados 20 anos após o encerramento da carreira, Paula nunca pensou em virar treinadora de basquete.
“Quando eu era jogadora nunca fui detalhista, não ficava pensando ‘Quando eu for técnica vou agir assim’. Acho que é perfil, tinha jogadora que tinha isso na cabeça e eu nunca tive”, confessou. “Em qualquer profissão você trabalha e vai embora pra sua casa, no esporte não. E a gente foi uma geração que treinou muito, acho que essa questão que me incomodava mais.”
+ SIGA O OTD NO FACEBOOK, INSTAGRAM, TWITTER E YOUTUBE
Mesmo sem perfil de treinadora, Magic Paula nunca abandonou o basquete e respira o esporte de outras formas. Desde setembro de 2019, por exemplo, a ex-jogadora passou a integrar a Comissão de Jogadores da FIBA (Federação Internacional de Basquete).
Passe de Mágica
Além disso, com o objetivo de desenvolver a base esportiva e cultivar a paixão pelo basquete, ela criou o Instituto Passe de Mágica há 15 anos.
A entidade trabalha com meninos e meninas de 7 a 17 anos e contava com sete núcleos em três territórios: Diadema, São Paulo e Piracicaba. Em 2019, no entanto, as atividades dos projetos de Diadema e quase todos de São Paulo se encerraram.
Durante a entrevista, Paula também anunciou: desde 2018, o conselho e a diretoria do Instituto já decidiram que 2020 também será o último ano do núcleo de Piracicaba e do último que sobrou na capital paulista.
“É muito difícil, cansei. Nós trabalhamos com praticamente mais de 90% de recursos incentivados. Em 2017 passamos por um momento dificil, não conseguimos captar nada. A Lei de Incentivo nos ajudou muito desde 2007, mas é uma lei muita injusta, todo o ônus fica pra instituição, então a execução fica muito difícil”, explicou.
Conta que não fecha
“Você consegue fazer um trabalho profissional lá na ponta porque o projeto banca o professor, a bola, o uniforme, o lanche, mas não consegue executar de forma profissional como gostaria. Então, fica uma coisa amadora por um lado e profissional por outro e eu não quero mais trabalhar assim. Eu gostaria de ter mais tranquilidade. Não estou reclamando, não estou triste, acho que a gente fez o que podíamos fazer. Acho que chega uma hora que não adianta falar que lindo, tenho que ser responsável por tudo o que está acontecendo, se a conta não esta fechando não dá pra ser Robin Hood”, concluiu.
Para Paula, muito do incentivo esportivo no Brasil deveria partir do poder público e não apenas de ONGs e Instituições. Quando um talento esportivo surge, ele não tem as oportunidades corretas para se transformar num esportista, falta um sistema que decida essa finalidade.
“Falta esse trabalho de colher frutos e esse é o papel do formador. Enquanto a gente não tiver um sistema esportivo no país, uma linha a seguir, fica muito complicado entender quem é responadavel por fazer isso”, concluiu.
Magic Paula fez parte da vitoriosa geração do basquete feminino campeã Mundial em 1994 e que tinha grandes nomes no elenco como Janeth e Hortência. A última aliás, foi companheira de Paula por 22 anos e apresentava com a amiga uma sintonia incrível em quadra. “Com um olhar a gente se entendia”, resumiu a ex-armadora.
Choque de gerações
Depois dessa geração, o basquete feminino sofreu uma grande queda de qualidade e ainda está em processo de ressurgimento. Apesar da conquista da medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Lima 2019, a seleção não garantiu vaga no torneio pré-olímpico e está fora da disputa dos Jogos de Tóquio, marcados para 2021.
Anos de descaso
“Eu não posso culpar 100% que as meninas não estejam no mesmo nível que as principais escolas do mundo. Às vezes elas até fazem bastante pelo que têm. Então é difícil fazer essa análise”, disse Paula.” Conforme vai jogando, vai evoluindo. É uma geração que joga campeonato por cinco meses e faz o que nos outros sete? Então é complicado. Elas estão pagando o preço de um descaso total de varias gerações, foram vários anos em que o feminino ficou de escanteio.”
No entanto, apontar algumas diferenças entre as gerações e o tipo de basquete praticado em sua época é algo inevitável.
“Eu vejo a maioria dos esportes muito mais com força física. O esporte é muito forte, tem muito contato, muita correria. Acho que nosso jogo era um pouco mais plástico”, opinou Paula. “Falando de dedicação e da forma como a gente vivia para o basquete, eu acho que é diferente hoje. A gente lutava mais pelo o que a gente queria, não entrava na quadra só pra jogar, a gente tinha consciência de que tínhamos que fazer mais. Os mesmos problemas que as meninas têm, de falta de recurso, de falta apoio, a gente também tinha, mas lutamos muito para mudar”, finalizou a lenda do basquete.