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Basquete 3 x 3

À margem do tradicional, Leandro Discreto ganhou o mundo

Sem se encaixar no basquete tradicional, Leandro Discreto optou pela modalidade das ruas e parques públicos, que hoje se transformou no olímpico 3×3

Leandro Discreto, atleta do basquete 3x3 (Reprodução/FIBA.com)

“Me dediquei a vida toda a essa modalidade”. Muito antes do basquete 3×3 tornar-ser olímpico, Leandro Discreto, 36 anos, já ralava nas quadras públicas e pelas ruas, em um mundo paralelo do basquete. Da favela da Rocinha para o Circuito Mundial e seleção brasileira com chances na Olimpíada de Tóquio-2020, ele fugiu do tradicional para se encontrar.

“O basquete cria um leque de opções muito grande.” O primeiro contato de Leandro Discreto com a modalidade foi aos 14 anos, através de projetos sociais. “Só que eu era muito mais envolvido em eventos em espaços públicos, em quadras publicas, eventos da cultura urbana, que tinham relação com a dança, arte e o freestyle.”

Hoje protagonista do basquete 3×3, conquistou tudo de forma discreta, como o seu próprio apelido diz. Mas mais do que seu legado dentro das quadras, Leandro Discreto tem orgulho da pessoa que se tornou. E do caminho escolhido.

Apelido que virou nome

“Eu fazia parte da LUB (Liga Urbana de Basquete), e a gente realizava apresentações nas escolas e hospitais, fazia apresentações nas comunidades também, tudo com malabarismos, como os Globetrotters, numa pequena proporção. E na época, eu não sabia fazer malabarismos com a bola, saltava muito, era mais forte, enterrava muito, então eu fica meio que discreto neste quesito.”

Assim surgiu Leandro Discreto. Sempre na sua, fazendo seu papel com discrição, mas sendo parte fundamental do todo. “Fui ficando nessa mais pelo ciclo de amizade, éramos todos próximos um dos outros, uma relação de grupo. E eu queria tentar fazer parte de um grupo, precisava ser aceito, e isso me chamava mais atenção do que o esporte mesmo.”

Fora do tradicional

Leandro Discreto podia não ter muito talento com o malabarismo, mas o basquete era seu mundo. Não à toa, aos 19 anos entrou para o Flamengo, um clube de tradição no esporte. Só que não se adaptou.

“No 3×3 você fica mais à vontade, tem mais tempo com a bola, sempre atacando e defendendo, essas situações vão se tornando habituais. No 5×5, você está mais preso ao sistema, sempre atuando dentro do sistema, você não tem tanta liberdade assim.”

Fora do sistema tradicional, Leandro voltou para suas origens, onde se sentia confortável. “O 3×3 sempre manteve isso vivo, de criar os próprios passos. Os jogadores desenvolvem mais a habilidade. E eu sempre joguei dessa maneira. E você acaba levando tudo isso para fora da quadra também. É um jogo de muitas decisões, é mais individualizado, intenso, e inesperado, tudo pode acontecer o tempo todo.”

Não foi do dia para a noite

Somente em 2017, o basquete 3×3 tornou-se olímpico, mas Leandro já estava nessa vida há muito tempo. “Demorou bastante, porque já era um mundo que eu vivenciava esse basquete diferente, longe do convencional, como 1×1, ou 3×3, basquete na praia, esse mundo paralelo do basquete.”

Como já tinha experiência, talento e conhecia de perto a modalidade, ele agarrou a oportunidade. “Essas competições me deram a oportunidade de ganhar dinheiro, vivendo do basquete. Eu achava que era um bom jogador de 3×3, poderia ser a minha possibilidade, e realmente aconteceu de me tornar profissional.”

Leandro em ação pelo São Paulo D.C., equipe brasileira que o lançou no cenário internacional do basquete 3x3
Leandro em ação pelo São Paulo DC, equipe brasileira que o lançou no cenário internacional do basquete 3×3 – (Reprodução/Fiba.com)

Mesmo vivendo da modalidade, Leandro Discreto segue ralando fora do Circuito Mundial. “Eu não consigo viver do 3×3 o tempo todo, não é muita grana, mas dá para se manter bem. Eu tiro de dois a três meses de férias, faço a minha preparação e consigo um emprego, algum tipo de renda com eventos de basquete. Mas algo que não me prenda por completo, que não me impeça de sair e voltar para o 3×3.”

Cidadão do mundo

“Eu moro na Espanha, mas não passo tanto tempo aqui. Na prática, eu não tenho casa”, brinca. Com passagens por clubes do Brasil, o São Paulo DC, Índia, Suíça e Japão, Leandro Discreto já rodou o mundo por causa do esporte.

“Tenho contrato com uma equipe do Japão. Só que a pandemia bagunçou tudo. Estamos avaliando o cenário, ver como vai ficar a situação dos estrangeiros no país. Existe uma incógnita se vai ter temporada ou não. Mantenho o contato, aguardando as próximas informações para entrar no Japão.”

Certamente, o sucesso de Leandro se confunde com o sucesso do basquete 3×3, que, assim como ele, ganhou o mundo.

Protagonismo

Com bagagem de sobra, qualidade técnica e físico invejável, “1,98 m e 113 kg, porém muito móvel”, Leandro Discreto chegou à seleção brasileira e terá a chance de disputar uma vaga para Tóquio-2020.

Entre os quatro convocados (André Ferros, Jefferson Socas e Matheus Parcial) pelo técnico Douglas Lorite para a fase de treinamentos rumo ao Pré-olímpico, Leandro analisa o momento da seleção.

“Temos um grupo muito experiente, muito rodado no cenário internacional, jogando no topo contra as melhores equipes do mundo. Já são cinco anos de experiência em um cenário forte, é um time que está bem.”

A FIBA (Federação Internacional de Basquete) decidiu jogar o Pré-Olímpico de basquete 3×3 para 2021, ainda sem data. Mas os adversários já estão definidos.

“Eu acho que é um grupo bom para o Brasil, apesar de ter dois favoritos, que são Mongólia e Polônia. Essas equipes estão ativas no Circuito Mundial, jogam jutas há algum tempo, têm a continuidade, são bem alinhados, saem em vantagem. A gente reúne os jogadores por duas semanas e vamos para a disputa, e agora estamos sem treinar, mas isso não nos impede de ganhar.”

Além de Mongólia e Polônia, o Brasil enfrentará a Turquia e a República Tcheca no Grupo A. Apenas as duas primeiras seleções do grupo avançam para a fase eliminatória. Três vagas estarão em disputa e 20 seleções estão classificadas para o torneio.

“O ponto forte nosso é a defesa. Temos jogadores muito bons, Matheus veio muito bem do Sub-23, o Socas tem um ritmo mais acelerado, o Ferros sabe acalmar as coisas. Todos jogam basquete com condições de jogar em diferentes posições. Não tem time melhor defensivamente do que o nosso. Polônia e Mongólia são bons no ataque, mas vamos segurar os caras e eles terão dificuldades de passar pela gente.”

Forjado nas ruas, Leandro Discreto foi pelo caminho paralelo do basquete e cresceu junto com o 3x3
Leandro Discreto nunca virou as costas para a favela (Facebook/leandrodiscreto)

Coração enorme

“Eu tenho uma história um pouco triste no passado e procuro não cometer o mesmo erro.” Sempre envolvido com projetos sociais e com a comunidade na Rocinha, Leandro Discreto, ainda com 19 para 20 anos, já sentia uma enorme responsabilidade em retribuir tudo que o basquete tinha feito com sua vida.

“Decidi montar uma escolinha de basquete no alto da favela. Consegui tudo, bola, tabela, a quadra, mas no final não consegui manter a escolinha por muito tempo. Já trabalhava, treinava e jogava, tinha muitas responsabilidades, minha vida já era um desafio e era muito novo.”

A escolinha acabou sendo fechada. “Tinha um cara alto, que tinha potencial, mas eu não consegui manter o projeto e esse jovem virou traficante. Eu não consegui dar assistência para ele, a mãe dele era muito preocupada, mas não consegui dar assistência. Isso me marcou muito, me chocou muito. Porque eu me vi nele e eu não pude ajudar, ter feito a diferença na vida dele.”

Hoje em dia, Leandro Discreto ajuda quem já apoia projetos e ações sociais na Rocinha. Contudo, o desejo de voltar com uma iniciativa visando os mais jovens segue vivo. “Eu decidi na minha vida, terei um novo projeto quando tiver condições. É uma responsabilidade muito grande, são vidas, são pessoas, exige tempo, condições econômicas para ser permanente e dar todo suporte para não acabar como o sonho de muita gente.”

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