Caio Bonfim, que tem a marcha atlética como herança familiar, conta as dificuldades que passou quando ainda era criança.
Quando Caio Bonfim tentou dar os primeiros passos, as pernas não colaboravam. Arqueadas, elas complicavam o equilíbrio do garoto. Dos médicos, veio um diagnóstico alarmista para a família, de que ele enfrentaria limitações de mobilidade e que, possivelmente, passaria por várias cirurgias. “Depois da primeira intervenção, o médico me falou que ‘me fez’ para ser no máximo um jogador de dominó, nunca um atleta, principalmente um que dependesse totalmente das pernas. A ideia era que as pernas entortassem de novo e eu passasse por outras cirurgias até ter maturidade óssea. Mas nunca mais entortaram”, conta o principal nome brasileiro da marcha atlética.
Mesmo que a mobilidade não fosse a melhor nos primeiros anos, ele criou uma relação de intimidade com a modalidade desde o “berço” em função da herança familiar. Sua mãe, Gianetti Oliveira de Sena, foi oito vezes a melhor do país. Seu pai, João Sena, era o técnico de Gianetti. Assim, a infância de Caio foi ao lado de pistas de atletismo do Distrito Federal, onde nasceu, e de vários cantos do país. “Toda vez que minha mãe ia marchar, eu brincava muito com ela e sabia fazer a técnica. E meu pai me dizia: ‘Sua forma física é boa. Se você encaixar isso com a técnica que tem, dá para brincar'”, recorda Caio.
De tanto o pai insistir, um dia Caio topou o desafio. Foi disputar a Copa Brasil. Sábado era a categoria Menores e domingo a Juvenil. Participou das duas. “Os cinco primeiros da Juvenil se classificavam para uma prova internacional, a Copa Pan-Americana. E aconteceu algo que nunca esperei: fiz a prova em 50 minutos e fui o segundo. Ganhei de todos os que tinham ganho de mim no dia anterior e baixei o meu tempo em quatro minutos. E aí meus pais ficaram loucos e nunca mais dormi sossegado”, brinca.
A partir dali, Caio foi para a Copa Pan-Americana, conquistou índice para o Mundial e voltou para casa como o 12º do mundo em sua categoria. “Quando vi, já era marchador, estava apaixonado por essa prova e com a sensação de voltar para casa e falar para si próprio: ‘Sou um atleta'”.
Se hoje é sete vezes campeão da Copa Brasil, com duas participações olímpicas e um quarto lugar na Rio 2016, a trajetória de Caio não foi tão tranquila quanto o currículo indica. Não raro teve de conviver com o preconceito de quem enxerga nos movimentos da mobilidade um sinal de feminilidade e viveu, em Londres 2012, a amargura de um abandono precoce num momento em que se julgava em ótima forma. “A lição que posso passar é de perseverança, para as pessoas não desistirem nas adversidades. Vai batalhando que uma hora dá certo”.
E a hora certa do brasiliense no cenário internacional chegou de forma mais enfática em 2017. Na última temporada, o atleta conquistou a medalha de bronze inédita para o Brasil durante o Mundial de Atletismo de Londres. Com o pódio, a capital inglesa ficou marcada definitivamente na carreira do atleta.”O mesmo local em que passei o terceiro colocado e garanti o bronze no Mundial de Londres foi o lugar onde vomitei e saí da prova nos Jogos Olímpicos de 2012. Assim, você vê como o esporte proporciona algumas coisas: há cinco anos eu tinha vivido o pior momento da carreira em uma prova ali. No mesmo lugar, tive a oportunidade de protagonizar meu melhor momento”, relembra o atleta.
Sem tradição no país, a marcha atlética é pouco conhecida do grande público. Caio é um desbravador e um embaixador do esporte. No último mês de março, ele conquistou o prêmio de Atleta da Torcida 2017, oferecido pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB).