“Guiar é uma arte”. A frase é de Jackson Silva, atleta-guia, medalhista de bronze nos Jogos ParaPan-Americanos de Lima-2019 ao lado de Fabrício Ferreira. Depois de começar ainda criança no atletismo olímpico, ele conheceu o movimento paralímpico e, na primeira oportunidade que teve de experimentar guiar um atleta, sua vida mudou.
As mudanças, entretanto, foram dentro e fora das pistas. Desde a maneira como ele corre até o jeito de olhar o mundo. Nesta quinta-feira (6), em live com o Olimpíada Todo Dia, Jackson contou como foi a transição do olímpico para o paralímpico, as diferenças de correr em cada um deles e seus sonhos como atleta-guia. Confira!
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Como tudo começou
Tudo começou com uma brincadeira que se tornou realidade. Morando em Presidente Prudente, Jackson Silva conheceu Jerusa Geber, campeã mundial, e seu guia, Luizão. Um certo dia, Luizão sofreu uma lesão e precisou se afastar das pistas. E foi aí que Jackson entrou em cena.
“Eu sou fascinado por atletismo. É uma paixão que eu não sei explicar. Tanto é que eu tatuei bem grande no braço (a palavra atletismo), para todo mundo ver. E quando ele (Luizão) perguntou se eu poderia ajudar eles, aceitei na hora. Pela amizade que eu tinha com eles e pela oportunidade. Eu sou um cara movido a desafios”, contou.
“Eu já queria guiar, tinha aquela ilusão de achar que era fácil e falei: ‘deixa comigo que eu resolvo’. Fiquei muito feliz, porque eles me procuraram e confiaram em mim, mesmo eu não sabendo guiar. Treinei um dia antes da competição e fui correr… Mas não foi o que a gente esperava”, relembrou bem-humorado.
Jerusa corria na casa dos 12s10. Jackson correu quase nos 14s. “Só lembro o desespero que foi! Só queria que acabasse”. O sentimento, no entanto, foi momentâneo, porque ele descobriu ali uma paixão.
“Eu gostei muito de guiar. Senti uma coisa que eu nunca tinha sentido na vida. Um desafio em que eu ‘dominava’ um esporte e estou fazendo o mesmo esporte, mas de uma forma que eu não domino. Além do ato de ajudar o outro… Tudo aquilo me transbordou em felicidade e falei que queria aquilo para minha vida”.
As diferenças
“Independente de ser rápido, guiar é uma coisa, correr é outra. Não tem nada a ver. Tem uma coisa só igual: correr. De resto, é completamente diferente”. Correr no olímpico e ser atleta-guia, portanto, são coisas muito distintas. E Jackson teve de apreder a fazer essa transição nas pistas e em si mesmo.
“No olímpico, eu estou em prol do meu sonho. Penso em mim, é um esporte individual. Mas como atleta-guia, você tira todo esse ‘ego’, ‘orgulho’, de atleta, para auxiliar uma pessoa a chegar no sonho dela. Acho que essa é a grande diferença, você estar ali em prol do atleta”.
Em relação à parte técnica, Jackson fala na necessidade da conexão entre os atletas e de se doar pelo outro. “Eu descarecterizo a minha corrida, esqueço que eu sei correr e faço a corrida deles. Você tem uma mecânica de corrida, mas se você não tentar a fazer a mecânica de corrida do atleta, vai chegar uma hora que as coisas não vão encaixar. Somos um só naquele momento. Parece simples, mas não é. Precisa de uma concentração, uma coordenação. Qualquer fração de milésimos, você desencaixa a corrida… E isso também me fez querer mudar, porque agora eu não posso errar”.
Tudo pelo outro
Desde que virou atleta-guia, a vida de Jackson Silva mudou. Muito além da conquista da medalha de bronze no Pan com Fabrício e o desejo palpável de estar em Tóquio-2020, no entanto, ele mudou como pessoa. E muito disso se deve ao movimento paralímpico.
“Várias vezes quando entro no CT Paralímpico, eu me pego arrepiado. Eu vim do esporte olímpico para o paralímpico e vejo gente fazendo coisas absurdas, levando a vida de uma forma maravilhosa. Aprendo muito com eles. Eu não vejo em mim o esforço que eles têm. Porque eu, na situação deles, não sei se seria igual a eles. Isso fez eu olhar o mundo de um jeito diferente. Guiar é uma arte. Você para de pensar em você e se doa. Você está ali para o atleta. Eu nunca imaginei que ia ser assim”.
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E foi assim que “o outro” se tornou umas das partes mais importantes – e inspiradoras – de Jackson Silva. Que hoje sonha em realizar o sonho dos outros.
“Depois que consegui ajudar o Fabrício (Ferreira em Lima-2019), eu quero realizar o máximo de sonhos dos outros que eu conseguir. Eu realizei algumas coisas dentro no olímpico, mas agora eu estou em uma situação nova. Eu quero ter o máximo de desafios que me derem. Então vou me sentir realizado em realizar o sonho deles. Os meus sonhos são os deles”, concluiu.