Um currículo como o do técnico de atletismo Katsuhico Nakaya não é para qualquer um. Aos 63 anos de idade, o paulista, descendente de japoneses, irá participar de sua nona Olimpíada em Tóquio 2020: a sexta como treinador, além de duas como atleta e uma como preparador físico. Com 40 anos de carreira, mais de 20 atletas classificados para Jogos Olímpicos já passaram pelas mãos de Nakaya. Qual o segredo de tanto sucesso?
Para entender, é preciso voltar no tempo. Katsuhico Nakaya, cuja vó nasceu no Japão e veio bem novinha para o Brasil, teve o primeiro contato com o esporte aos 13 anos, quando participou das competições da colônia japonesa. “A gente iniciava brincando, com o incentivo dos pais. E começava no beisebol, que era o esporte prioritário da colônia, e o segundo esporte era o atletismo”, contou ao Olimpíada Todo Dia.
Com destaque nos torneios da colônia japonesa, o interesse de Nakaya pelo esporte começou a crescer. Disputou torneios escolares até que aos 16 anos, em 1973, participou de seu primeiro Campeonato Sul-Americano de Atletismo na categoria Juvenil, na Argentina.
Cinco anos depois, ele recebeu um convite para estudar em uma universidade dos Estados Unidos. “Eu morava em Araçatuba (SP) e não tive muita orientação do que fazer”, relembrou que Nakaya, que acabou não indo para os EUA – para nossa sorte. “Vai saber o que poderia ter acontecido se eu tivesse ido… Uma decisão muda tudo”.
As primeiras Olimpíadas
O estudo sempre foi parte muito importante da vida de Katsuhico Nakaya. A ideia inicial era cursar Terapia Ocupacional, mas como o curso era integral, ele acabou trocando pela Educação Física, que era meio período. Afinal de contas, o objetivo principal era ir a Olimpíada de Moscou, em 1980.
E assim foi. Aos 23 anos, ele participou pela primeira vez do maior evento esportivo do mundo. E mal sabia que essa seria a primeira de muitas. Quatro anos depois, em Los Angeles-1984, lá estava Nakaya novamente. Em ambos os Jogos, ele participou dos 100 m e foi finalista no Revezamento 4×100 m com a equipe brasileira de atletismo.
Em 1982, entretanto, ele já iniciava sua carreira como treinador, trabalhando com as categorias de formação. E foi como técnico que Nakaya se destacou, entrando para o grupo dos grandes nomes do atletismo.
Currículo cheio
A partir de 1987, ele começou a trabalhar como treinador dos atletas de alto rendimento e desde então, sempre conseguiu classificar um de seus atletas para as Olimpíadas. Até hoje, são 20 os que se classificaram para os Jogos Olímpicos treinando com Katsuhico Nakaya.
Ele foi como técnico de atletismo aos Jogos Olímpicos de Atlanta-1996, Atenas-2004, Pequim-2008, Londres-2012 e Rio-2016. E ainda foi como preparador físico da seleção feminina de handebol em Sydney-2000.
Cinco atletas foram medalhistas olímpicos treinando com ele, todos no revezamento 4×100 m: Arnaldo de Oliveira (Atlanta-1996), Claudio Roberto Souza (Sydney 2000), Sandro Viana (Pequim-2008), Rosemar Neto (Pequim-2008) e Lucimar Moura (Pequim-2008).
Na Olimpíada de 2008, inclusive, ele era o técnico da equipe feminina do revezamento 4×100 m que herdou a medalha de bronze 10 anos depois, quando foi constatado doping da equipe russa, que havia sido campeã.
“É uma história longa. A gente ficou em quarto, uma posição honrosa, que muitas vezes não recebe seu devido valor. E depois de 10 anos, a gente acabou herdando essa medalha de bronze. Claro que não é a mesma coisa… É diferente você ganhar uma medalha, subir no pódio, além do reconhecimento naquele momento. E para as atletas, até influencia no lado financeiro. O que elas perderam… Foi muita coisa. Mas de qualquer jeito, esse reconhecimento depois de 10 anos é significativo”, destacou o treinador.
A 9ª Olimpíada e o movimento paralímpico
Em Tóquio-2020, Nakaya vai participar de sua nona Olimpíada. Por enquanto, já tem dois atletas classificados: Vitória Rosa, nos 100m, 200m e Revezamento 4x100m, e Eduardo de Deus, nos 110m com barreiras.
Ainda há outras duas atletas de Nakaya que podem se classificar: Ana Claudia Lemos, nos 100m e Revezamento 4x100m, e Ana Carolina Azevedo, no Revezamento 4x100m. Além disso, também treina dois atletas paralímpicos que foram medalha na Rio-2016 e devem ir a Tóquio: Edson Pinheiro, nos 100m T38, e Daniel Silva, nos 400m T11.
Inclusive, o esporte paralímpico entrou faz pouco tempo na vida de Nakaya e já o ensinou bastante.
“No início foi difícil, porque a gente está acostumado a trabalhar com os atletas convencionais. E a gente passou por umas situações cômicas. O Daniel Mendes, por exemplo, é totalmente cego e, muitas vezes, eu tentava explicar alguma coisa para ele com gestos… E ele falava: ‘Nakaya, eu não enxergo’ (risos). Então você tem que dissertar o exercício. Na maioria das vezes, o atletas da categoria T11 tem um guia, então você tem que orientar o guia para que ele possa ajudar o atleta a entender, com toques no corpo, onde ele tem que fazer o movimento. É diferente e você vai se acostumando com o tempo”.
“Eles não querem ser diferentes, eles querem ser tratados como qualquer outra pessoa, como devem ser, como eles de fato são. Eles acabam fazendo piada deles mesmos e a gente brinca junto, porque é normal”, completou.
A mágica de Nakaya
“Apesar de eu não ter nenhum atleta medalhista olímpico em provas individuais, o mais importante é que eu tenho uma carreira de quase 40 anos e com regularidade. Desde que encerrei a carreira como atleta e comecei a ser treinador, eu sempre tive um atleta na Olimpíada. Quando você consegue manter uma regularidade por muito tempo significa que existe algo de positivo no que você está fazendo”, pontuou Nakaya.
Mas então, qual o segredo do sucesso e da longevidade de Katsuhico Nakaya no atletismo? Uma parte disso ele atribui ao seus atletas.
“Muitas vezes, você tem que contar o fator sorte também. É você ter um atleta talentoso, porque quando você tem, o caminho fica mais fácil. É o que eu sempre digo: treinador não faz milagre. Uma grande parcela do sucesso vem do atleta. Muitas vezes o atleta é talentoso, mas se ele não tiver uma dose de vontade, de querer fazer, não vai atingir o sucesso. É um todo que conta no final”.
E nada melhor do que ouvir quem trabalha de perto com Nakaya para saber mais sobre os segredos do sucesso. “O Nakaya é um homem de poucas palavras, mas é uma pessoas sensacional. Conheci um lado dele que é muito brincalhão, sorridente, mas que se impõe quando precisa. Tem uma paciência muito grande com as pessoas e é muito sábio”, contou sua atleta, Vitória Rosa ao OTD.
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“É maravilhoso treinar com ele. Ele é um baita profissional, que ganhou a minha admiração. As pessoas respeitam muito ele onde quer que vá. Não tenho nem palavras… Ele é sensacional. Se me perguntar hoje se eu quero trocar de treinador, eu não quero”.
Reconhecimento dos técnicos e importância do esporte
É difícil encontrar no Brasil e talvez no mundo alguém com um currículo tão vitorioso quanto Katsuhico Nakaya. E mesmo assim, o reconhecimento não chega à altura do seu sucesso. “Em algumas modalidades sim, principalmente nos esportes coletivos, até exageradamente muitas vezes. Mas nos esportes individuais o treinador geralmente não recebe o devido valor. Tem tantos que treinaram grandes atletas… Infelizmente, no Brasil, as pessoas e nossos dirigentes têm memória curta. As pessoas de fora da modalidade nem sabem dos treinadores. É uma pena, é história”, lamentou.
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E com 63 anos, depois de tanto que o esporte lhe deu, Katsuhico Nakaya não tem data para deixar as pistas de atletismo. “Nós, como treinadores, aposentados, enquanto pudermos desenvolver um trabalho legal, ajudar os atletas a melhorarem seus resultados, ter credibilidade, a gente vai sempre estar trabalhando. E o lado mais legal é que não tem idade. A cabeça tem que estar funcionando e a gente tem que sempre estar se atualizando, mas tem um limite. O sonho de qualquer treinador é ter um atleta que chegue a uma final olímpica e conquistar uma medalha. E eu estou esperançoso”.
“O esporte tem um poder de mudança tremendo. E eu digo isso por mim. Que dinheiro que pagaria todas as oportunidades que o esporte me deu? Eu conheci mais de 60 países, tudo através do esporte. Não tem preço”, finalizou.