“Não são pessoas que brigam por uma medalha, são alienígenas”. É assim que Almir Júnior, do salto triplo, descreve os atletas que disputam os Jogos Olímpicos. E, neste ano, o saltador entrará para o hall dos seres de outro mundo. O mato-grossense garantiu sua vaga em Tóquio em junho de 2019, apenas um ano e meio após ter mudado do salto em altura para o triplo.
Com uma ascensão meteórica, Almir entrou de vez para o mapa do atletismo, em uma das provas mais tradicionais do Brasil nos Jogos. Agora, ele terá a chance de manter a tradição e marcar seu nome de vez na história.
“Participar de uma Olimpíada e realmente ir para uma final, ter chance de brigar por uma medalha, é uma coisa inimaginável para mim, sabe? É uma coisa que não é normal, não pode ser. Eu tinha muito isso para mim. Daí tu vê que não, que é trabalho, que é dedicação, é uma série de coisas”.
Descontraído, dançando ao som de funk durante o treino e sempre bem-humorado, Almir concedeu uma entrevista exclusiva para o Olimpíada Todo Dia.
Dos campos para as pistas
A história de Almir Júnior sempre foi acompanhada pelo esporte. Quando pequeno, lá em Peixoto de Azevedo, no interior do Mato Grosso, estudava de manhã, treinava futsal após a aula e ficava a tarde na escola para jogar handebol. No final do dia, ia para o treino de futebol de campo – sua grande paixão. À noite, mais esporte. O pai ia jogar bola e, sem perder tempo, o acompanhava caso precisasse completar o time. Se não? Tudo bem, Almir ia para a piscina nadar, mas ficar parado nunca.
Aos 8 anos, o garoto já tinha uma certeza na vida: assim como muitos meninos pelo Brasil a fora, queria ser jogador de futebol. E, foi justo na escolinha de futebol, anos depois, que Almir descobriu o atletismo.
O clube precisava de meninos para uma competição e convidaram os alunos para alguns testes. Almir foi um dos escolhidos. “Eu não queria, óbvio. Queria ser jogador de futebol, o camisa 10, goleador da Seleção, braçadeira de capitão e tudo”, relembra.
E se você acha que, logo de cara o menino se apaixonou pelas pistas, nada disso. Ele só aceitou participar da competição quando soube que seria em outra cidade e, por isso, ficaria uma semana sem ir à aula. Assim, por um capricho bobo de criança, começou a história de uma das promessas do salto triplo.
Para a surpresa de todos, além de ser campeão, ele foi o atleta destaque da competição. Com os resultados, Almir viu que ali, no atletismo, havia algo especial guardado para ele.
“Quando você começa a se destacar em uma coisa, você começa a pegar gosto e comigo foi assim. Aí fui bem, comecei a gostar, comecei a brincar de atletismo de vez em quando e fui começando a fazer resultado, começando a pegar gosto de verdade e as coisas foram acontecendo”, conta. Sorte do Brasil.
Então, com 15 anos, Almir recebeu um convite para treinar na Sociedade de Ginástica de Porto Alegre, a Sogipa, sua segunda casa hoje em dia.
Nessa época, o futebol ainda corria nas veias, mas as esperanças de seguir na carreira nem tanto. E ele não se arrepende. “Eu tenho certeza que foi a melhor escolha, não só nas pistas, não só profissional, mas escolha pessoal também. A Sogipa, meu treinador, eles me ensinaram muito, me ajudaram a melhorar como pessoa”.
De salto em salto
Por quase 10 anos, Almir foi saltador em altura, mas estava cada vez mais impaciente esperando resultados expressivos que não chegavam. Ao invés disso, começaram a chegar as lesões e, junto, a frustração.
Mas, em 2016, representando Mogi das Cruzes nos Jogos Abertos do Interior, em São Paulo, o destino de Almir estava prestes a mudar. Pensando em somar mais pontos para a equipe na competição, o atleta também se inscreveu no salto em distância e no salto triplo.
“No salto em distância, que foi a primeira prova, eu ganhei. Eu fiz um baita resultado. Não esperava, né?”
Já no triplo, ficou com a medalha de prata por 1 cm, atrás apenas de Jean Casemiro, líder do ranking brasileiro na época. E com o ótimo resultado, veio a dúvida: continuar no salto em altura ou se aventurar por novos caminhos?
“Meu treinador entende pouco de atletismo nos seus 30, 40 anos de atletismo, né? (rs) Ele disse que eu talvez não fosse tão veloz para o salto em distância, mas que o triplo, a longo prazo, ia ser minha prova. Que eu cresceria muito mais. E eu confio pouco nele, no trabalho dele (rs) Acho que ele estava certo, né?”
José Haroldo Loureiro Gomes, o Arataca, acertou em cheio. Almir começou a competir no salto triplo e despontou entre os principais nomes.
Nunca havia passado por sua cabeça mudar de salto, por mais que gostasse da prova, sempre se viu como saltador em altura. Mas o atleta soube aproveitar a nova oportunidade que a vida deu a ele.
“Estou tendo uma nova chance, aos 23 anos, que acho que ninguém praticamente teve, quase ninguém vai ter. E isso me motivava muito”, pensava Almir, hoje aos 26, durante a mudança.
“O salto triplo tem uma coisa muito mágica. Eu sempre gostei, sempre tive um apreço. Então quando eu comecei, fiquei muito encantado. E eu vinha de uns anos bem difíceis no salto em altura também”, explica.
A maior dificuldade que Almir encontrou do salto vertical para o horizontal foi a diferença de impacto entre as provas, o que fez o atleta ter dúvidas se aguentaria a rotina pesada.
“É uma coisa bem diferente, né? Bem brusca, eu diria. Vinha do salto em altura, uma coisa mais amena. O impacto maior é quando tu erra e, quando você está começando, tudo que você faz é errar, né? Então, no começo eu cheguei a pensar ‘Será que eu vou aguentar essa prova mesmo? Será que eu vou aguentar um ciclo olímpico treinando isso aqui? Isso é muito insano’.”
Mas, em pouco tempo, os erros foram diminuindo e os impactos se tornando menores. Almir estava pronto para entrar de cabeça no mundo do salto triplo.
De iniciante a protagonista
Foi preciso coragem. Mudar significava deixar quase 10 anos de treinos e resultados para trás e recomeçar do zero. Mas o ano que seria de adaptação, virou de ascensão absoluta.
“Quando eu tenho um objetivo, eu quero uma coisa, eu esqueço o resto. Se é legal, se não é, a dificuldade… Eu quero aquilo e eu penso naquilo. O resto a gente dá um jeito depois. Quando os resultados começam a sair a gente fica mais feliz ainda”.
E que resultados! Em seu primeiro ano, Almir fechou a temporada como número 1 do ranking brasileiro. Mas a consolidação como triplista viria no ano seguinte.
Em 2018, chegou como líder do ranking internacional no seu primeiro Mundial indoor e, logo de cara, conquistou a medalha de prata saltando 17,41m, ficando atrás apenas de Will Claye, atual vice-campeão olímpico.
Com os ótimos resultados, finalizou o ano como vice-campeão mundial, com a terceira marca do mundo no ranking outdoor e a segunda no ranking indoor.
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A terceira marca – e sua melhor até agora – foi o salto de 17.53 metros no Meeting de Guadalupe, disputado na França, em maio daquele ano. O salto, inclusive, valeria medalhas de bronze nas três últimas edições do Campeonato Mundial de Atletismo e ainda um terceiro lugar nos Jogos Olímpicos de Londres.
Almir Júnior havia se tornado, oficialmente, a esperança do Brasil nos Jogos Olímpicos.
Lesão e Dispensa
Infelizmente, nem tudo foram flores na temporada. Almir teve duas lesões: uma no joelho direito e uma no pé esquerdo, o que obrigou o atleta a pedir dispensa da Seleção Brasileira. Junto com Arataca, escolheu focar mais nos treinos e recuperação do que em competições.
“Eu sou muito competitivo, então acho que o mais difícil de pedir dispensa é deixar de competir, deixar de representar a pátria, de ter essa mágica da pátria, da seleção, de vestir a camisa. Naquele dia, naquele momento, foi uma coisa muito difícil, sem dúvida, mas foi muito pensada, muito trabalhada. Meu treinador, minha equipe, a gente sentou e colocou as cartas na mesa. E como eu disse, o objetivo não era aquele momento, não era aquele ano, era 2020, é esse ano”, explica.
Sempre com muito foco e clareza, a lesão não abalou em momento nenhum o atleta, que usou a fase como motivação para crescer.
“Eu sempre acho que vou voltar muito mais forte e isso me motiva a trabalhar quando eu estou lesionado, sabe? Eu sabia que a gente teria acidente de percurso, provavelmente não seria um ano lindo, correto, com tudo certo, só com grandes provas”.
Decepções
Tudo indicava que 2019 seria ainda melhor. Nos primeiros meses do ano, Almir garantiu a classificação para os Jogos Pan Americanos de Lima e para o Mundial de Doha, principais competições da temporada.
Mas, infelizmente, as coisas não saíram como esperadas e Almir não conseguiu repetir a boa performance da temporada 2018. Em nenhuma das duas competições chegou ao pódio – no Pan, terminou em quarto, e no Mundial, em 12º.
Parte do desempenho teve a ver com as lesões do passado, como ele mesmo explica. “Foi lesão, sabe? Quando eu não tenho tempo de me preparar, fica muito mais difícil para mim. E como a gente tinha os Jogos Pan Americanos e o Mundial, a gente focou nisso e, nesse percurso, eu acabei me machucando. Sendo que eu também tive uma lesão no início da temporada, logo depois da minha primeira competição. Aí eu comecei a lutar contra o tempo.”
“Eu treinei no limiar da dor. Tinha dias que eu não conseguia, tinha dias que depois de saltar eu tinha que ficar o dia todo sem fazer praticamente nada a não ser fisioterapia e analgesia para conseguir treinar no outro dia”
Pode parecer estranho, mas, para Almir, as dificuldades foram bem-vindas. O atleta sabia que não faria uma temporada de apenas ótimos resultados e viu, na queda de performance, mais uma oportunidade para crescer.
“Foi um aprendizado. E dizem que tu aprende muito mais com os erros. Até antes mesmo da Olimpíada, eu queria ter algumas adversidades para aprender a lidar com isso. Tanto eu quanto meu técnico, a gente tem que aprender algumas coisas, a gente tem que vivenciar um pouco porque cada atleta é cada atleta, a individualidade biológica é monstra. Talvez eu tendo um ano não tão bom quanto o esperado me fez amadurecer, me fez crescer, pensar de uma outra forma”.
Tóquio 2020
“A melhor parte”. Almir finalmente está onde sempre sonhou desde que saiu do Mato Grosso. Se juntar ao time de alienígenas.
“Acho que desde que eu saí de casa eu pensava em ser um atleta olímpico. Sabe quando tu tem aquele mega sonho, só que eu sei que provavelmente isso nunca vai acontecer, sabe? Você tem um sonho, você acredita naquilo, você quer aquilo, mas você tem uma noção de que a chance disso é 0,0001%, mas quem sabe aconteça. E eu tinha isso para mim, que a chance de ir para uma Olimpíada era minúscula, a chance de brigar por medalha então, coisa de outra mundo…”
Não é que o mato-grossense conseguiu essa chance pequenininha que ele tanto queria? E olha que esse sonho veio bem antes do esperado. Quando trocou de prova em 2017, Tóquio era um sonho bem distante. Mais fácil que o salto em altura, mas ainda assim distante.
Na cabeça de Almir, ele chegaria em 2020 saltando perto do índice para se classificar.
Mas, já em junho de 2019, ao conquistar o bronze no La Chaux-de-Fonds, na Suíça, o triplista fez 17m15cm e carimbou seu passaporte para sua primeira Olimpíada. Foi aí que ele teve acerteza que estava no caminho certo. E aí os objetivos começaram a mudar de acordo com os resultados.
“Eu só consigo pensar nisso, nesse momento. Eu trabalho, eu acordo, eu durmo, eu sonho, eu sonho de novo com isso e até o dia 9 [de agosto] é só isso na minha cabeça. O restante vai ser consequência”, conta.
Apesar de ser um dos grandes nomes mundiais atualmente, Almir tem consciência da responsabilidade e dificuldade de enfrentar atletas com muito mais tempo no triplo.
“Os meus adversários têm, no mínimo, 10 anos de triplo, sabe? Eu estou indo para o terceiro, então sei que preciso trabalhar mais para justamente tentar diminuir os erros que eu tenho. Eu gosto de regularidade e isso vem com o treino, vem com trabalho”.
Sonhos
Além da tão deseja medalha olímpica, Almir também tem outros sonhos. Um deles é ser o brasileiro que vai quebrar a barreira dos 18m. E ele acha que pode chegar.
“Eu trabalho para isso, às vezes eu vejo que é muito longe, que é muito difícil. Às vezes eu vejo que está próximo, que tenho potencial para isso, mas vai depender muito do meu trabalho”.
Rotina Puxada
Segundo o atleta, ele nunca “sextou”. Com uma rotina intensa de treinos desde os 15, não sobra muito tempo para festas e baladas. De segunda e sábado, Almir acorda às 6h30. Às 20h30, já tem que desligar celular, televisão, computador pra conseguir dormir até às 21h30.
“Todo mundo fala ‘eu não vivo sem o esporte’. Óbvio que eu amo, não me vejo fazendo outra coisa, mas é muito cansativo, é muito sacerdócio, sabe? É muita abdicação, dedicação. Se ele [Arataca] me der uma sexta de folga eu não sei nem o que fazer”, conta rindo.
Mas, apesar de não levar essa vida da maioria dos jovens, Almir sabe que todo esse esforço vale a pena.
“Se tu vai levando essa rotina, é difícil porque cada dia fica mais massacrante, cada dia que passa tu quer menos, fica mais difícil. Só que em compensação os objetivos vão chegando e tu vai focando mais, então depende muito dos seus objetivos, do teu foco, do quanto você acredita nisso. E eu acredito muito nisso”, completa.
O jovem fez uma promessa ao sair de casa: ele não voltaria como “ninguém”, sem ter cumprido seus objetivos. E segundo ele, ainda não é a hora.
“Quando eu saí, eu pensei ‘eu não vou voltar sem realizar meus objetivos, meu sonho, eu não vou voltar como ninguém, como derrotado, sei lá, como alguém que foi e não conseguiu nada. Só vou voltar para lá quando eu tiver meus objetivos cumpridos. E ainda não posso [voltar]”, finaliza bem-humorado.