8 5
Siga o OTD

Atletismo

Após doping, Ana Cláudia projeta volta por cima até Tóquio

Ana Cláudia Lemos tem inúmeros títulos em sua carreira; campeã pan-americana em 2011, detém o recorde sul-americano nos 200m e no revezamento 4×100. Além do recorde brasileiro nos 100m. No começo do ano passado, a atleta teve o brilhante currículo manchado pelo doping. O anabolizante oxandrolona foi encontrado em seu organismo e ela pegou cinco meses de supensão. O período de afastamento foi pequeno porque a defesa de Ana Cláudia provou que ela ingeriu a substância proibida de maneira involuntária por meio de um medicamento manipulado contaminado. Ela estaria livre para voltar a competir a tempo de disputar a Olimpíada do Rio de Janeiro. Porém, um edema ósseo e um desequilíbrio muscular fizeram a corredora abandonar os Jogos. Passado o furacão, depois de perder clube e patrocinadores, Ana Cláudia se reergueu. Fechou contrato com o Esporte Clube Pinheiros, mantém apoiadores ao seu lado e revela que está mais forte para buscar os novos ventos do ciclo olímpico até Tóquio 2020. De sexta à domingo, Ana Cláudia Lemos estará no Troféu Brasil, em São Bernardo do Campo, a segunda competição da atleta em 2017. Confira, na íntegra, a entrevista exclusiva da atleta ao Olimpíada Todo Dia!

Conta um pouquinho da sua trajetória até aqui. 

Bom, meu nome é Ana Cláudia Lemos, faço velocidade, sou do Atletismo 100m, 200m. Eu sou recordista brasileira dos 100m com 11.01s, recordista sul-americana dos 200m com 22.48s e do 4×100 com 42.29s. Sou campeã brasileira algumas vezes, sul-americana e íbero-americana também; campeã pan-americana, tenho três (participações em) Olimpíadas; alguns mundiais, mundial indoor e estou me preparando para o próximo ciclo de Tóquio. Hoje, eu estou com vinte e oito anos.

E como foi esse período conturbado que você passou?

Olha, foi bem complicado. Desde o episódio do doping, aguentar toda a situação com a Olimpíada na minha casa, então foi complicado, mas eu acho que a parte mais difícil para mim foi no período da lesão quando eu me machuquei lá na Olimpíada. Com isso você não pode lutar! Quando acontece uma lesão você tem que tratar, leva um tempo, você normalmente não sabe quanto tempo você vai se recuperar e eu demorei bastante, cinco meses e meio pra me recuperar. Então eu acho que isso foi mais difícil que o doping, porque o doping eu sabia que eu não tinha feito nada e que a verdade ia aparecer e as coisas iam se resolver, era só dar tempo ao tempo, mas a lesão não. A lesão eu estava na minha melhor forma, então eu esperava fazer a minha melhor Olimpíada, na minha casa, né? E você não imagina o que pode acontecer. De repente, tirou o meu chão, porque com uma lesão você vai fazer o que? Então o que mais me entristeceu foi a lesão. E aí meu emocional ficou bem abalado, foi bem complicado e eu voltei a treinar no final de janeiro desse ano. Até por esse motivo eu não vou disputar os 200m no Troféu Brasil por ser uma preparação muito curta e não dava tempo de treinar o suficiente para essa prova e conseguir uma marca boa. Então eu resolvi focar só nos 100m e no revezamento 4x100m. Mas pro próximo ano eu volto para essa prova, que é uma das provas que eu mais gosto também. E é isso. Eu acho que a vida é feita de desafios e a gente sempre cai, levanta. Eu aprendi muito como ser humano, você sempre tira alguma coisa de um período ruim, bem ruim, nenhum atleta deseja passar pelo que eu passei. Mas você sempre tira alguma lição. Eu acho que daqui a pouco eu vou entender o porquê eu tive que passar por tudo isso e eu acho que eu fiquei mais forte como pessoa.

Com a lesão você ficou cinco meses parada?

Não, eu saí da Olimpíada, fui fazer alguns exames pra ver como estava a lesão e ver como eu ser humano, Ana Cláudia, estava também. Aí eu fiquei trinta dias descansando porque eu não queria tratar, eu não queria nada. Eu fiquei trinta dias descansando. Depois de trinta dias eu fiz o PRP (O Plasma Rico em Plaquetas é um procedimento, baseado em injetar nas lesões dos atletas e pacientes em geral uma concentração de células reparadoras do seu próprio sangue), aí eu comecei a tratar, a fazer os fortalecimentos. Só que a reabilitação demorou muito, porque eu tinha um desequilíbrio muscular muito grande e um edema ósseo. Então demorou, são coisas com o tempo, não dava pra acelerar o processo. E aí quando foi em dezembro eu comecei a evoluir bem, no final de janeiro eu voltei a treinar.

Nesse tempo você trocou de clube, muita coisa aconteceu. Até depois da Olimpíada vários atletas tiveram problemas com patrocinadores. Como você está hoje depois de todas essas mudanças?

Depois da Olimpíada, eu continuei com a Nike, continuo com a Marinha do Brasil. Aliás, se não fossem eles, principalmente a Marinha do Brasil e a Nike, talvez eu não conseguisse me manter. Foi difícil também achar clube, até porque no Brasil a gente tem poucos clubes de atletismo. Então, quando veio a oportunidade do Pinheiros, eu fiquei muito feliz, por poder representar o Pinheiros. Hoje a minha situação está melhor, que o ano passado, né? Que eu perdi muito patrocínio, perdi clube na época da Olimpíada. Eu acho que a partir do momento que você já faz os resultados e que você evolui as coisas voltam também. Eu acho que o meu objetivo agora é esse. Voltar a fazer resultado e aí as coisas acontecem.

Esse ano você já fez uma competição, mas essa é a sua primeira competição com o Pinheiros?

Na verdade é minha segunda competição com o Pinheiros. Eu corri dia 10 de maio, que era pra fazer o índice para o Troféu Brasil e agora é minha segunda competição do ano. Agora que meu treino começa a buscar índice para o Mundial.

Como está sua rotina de treinos? Durante esse tempo você treinava no NAR (Núcleo de Alto Rendimento de São Paulo), daí você fechou com o Pinheiros e agora vai treinar um pouquinho aqui e um pouquinho lá?

É! Nos dias mais fracos de treino, semanas mais fracas de treino, coisas que eu consiga fazer sozinha, eu treino aqui no clube. E os outros dias é sempre no NAR. Aliás, foi o lugar que me abriu as portas quando eu passei pelo período do doping, me abriu a casa de todas as maneiras assim. Então eu sou muito grata ao Núcleo de Alto Rendimento, porque se não fossem eles eu não teria local para treinar.

E para esse ano o que você está imaginando? Essa competição que está vindo (Troféu Brasil) já está batendo uma ansiedade?

Ah, é diferente, porque é uma sensação nova, né? Defender o Esporte Clube Pinheiros é uma responsabilidade, é um grande clube, mas eu estou feliz. Eu quero logo que chegue sexta-feira pra saber como vai ser, se eu vou correr bem, o que vai acontecer, tem toda essa expectativa também.

Você acha que nesse tempo você se fortaleceu psicologicamente falando?

Sim, você passa primeiro por um período bem ruim, óbvio, não tem como. Você chora, toda a frustração que você passa, que o ser humano passa quando tem um problema como esse, mas depois você se ergue. O treino vai te mostrando isso, as dificuldades te fazem crescer, você tem que lutar contra isso. E hoje eu estou forte. Eu sempre fui muito forte, só que dessa fez foi bem complicada a situação que eu passei, mas eu já estou forte de novo. Eu estou pronta para mais umas lambadinhas.

Eu sei que ainda está muito no começo, estamos falando do primeiro ano do ciclo olímpico, né? Mas você já está imaginando a construção desses quatro anos? 

Já está tudo desenhado com o meu treinador as minhas metas até 2021, que é talvez quando eu me aposente, eu vou estar com 32 para 33 anos, então cada ano já está planejado, o que eu quero, os meus objetivos, o que eu posso fazer esse ano, o que realmente eu vou fazer no próximo ano e assim… Tá tudo já esquematizado. Eu já estou assim… A minha temporada está começando e eu já estou pensando na minha base, sabe? O ano que vem assim… 2020! Porque passa, o tempo corre.

E dá pra contar um pouquinho dessas metas que você está desenhando?

Algumas coisas sim, outras a gente guarda aqui (aponta para o coração). Mas eu tenho como objetivo no próximo ano estabelecer o novo recorde dos 200m, o novo recorde sul-americano, então no ano que vem vai ser a prova que eu vou me dedicar, não que eu vá sair dos 100m, mas a prioridade vai ser os 200m. Então eu preciso de um volume de treino bem grande até porque é um ano morto, então exige muito treinamento para você conseguir aguentar o ano de 2019, que é Pan-Americano e Mundial e os Jogos Olímpicos em 2020. Então ano que vem é o ano dos 200m. Depois disso, em 2019, que é o de Pan e Mundial, eu quero estabelecer o novo recorde dos 100m, talvez saia antes, isso é uma meta pra lá, mas eu gosto sempre de pensar isso pode acontecer, de repente, esse ano, mas pra 2019 eu quero bater o recorde sul-americano novamente e correr abaixo dos 11s. É uma coisa que eu tenho dentro de mim e que enquanto eu for atleta e antes de encerrar minha carreira eu preciso correr abaixo dos 11. Tenho a ideia de conseguir ganhar os Jogos Pan-Americanos de novo em 2019 e em 2020 a gente tem o grande revezamento. O revezamento do Pinheiros é o revezamento olímpico. E a minha expectativa é que esse time chegue muito forte para a gente brigar por uma medalha no revezamento e por uma final no individual. É o que eu acho que eu consigo fazer, eu não posso dizer que eu vou conseguir uma medalha individual nos 100m, porque eu preciso melhorar os meus resultados. Então quando eu melhorar eu posso pensar no individual. Hoje, a realidade é o revezamento nos Jogos Olímpicos. É isso que eu estou batalhando.

E você já está pensando em projetos futuros? Não sei, você pensa em ser mãe? Algo depois que parar?

Eu tenho a minha carreira até 2021, eu não penso em ser mãe ainda, me dá um desespero de não dar conta da criança, da criança passar fome, rs. Eu também não consigo me imaginar fazendo uma outra coisa que não seja o atletismo, então talvez eu não esteja preparada realmente para parar. Então eu acho que agora o foco realmente, dentro de mim, é fazer os resultados. Isso que está me… Aqui dentro… Os resultados.

Nós conversamos com a Geisa Coutinho e ela comentou, que está com 37 anos, ela pensou em parar após a Olimpíada, mas os resultados mostraram pra ela que ela consegue competir mais um ciclo. E você a mesma coisa, você está planejando até Tóquio, mas, de repente, dê pra planejar mais um ciclo olímpico. Não?

Exatamente! É porque cada atleta se comporta diferente vai muito do cuidado fora das pistas, né? Porque você tem que dormir, se alimentar bem, cuidar do seu corpo. Seu corpo é seu instrumento de trabalho. Então tem pessoas que são mais velhas, mas o corpo é muito jovem, né? Gosta de treinar, ama o que faz. Então eu acho que eu vou bem pela linha da Geisa também, eu acho que enquanto eu tiver fazendo resultados, eu tiver amor, eu vou estar dentro da pista.

Dia internacional da mulher. A um ano atrás eu recebia a pior notícia que um atleta poderia receber(um adversário cruel e injusto ) Exatamente dia 8 de março de 2016 às 18h. E é claro que ao receber essa notícia eu fiquei em choque. E no dia seguinte começaram os Problemas, obstáculos, dificuldades, humilhação, risos de quem queria me ver no chão, ofensas, julgamentos. E sabe o que eu fiz ? Eu vou dizer a vocês o que é ser mulher todos os dias, principalmente quando estamos diante de grandes problemas. Durante 5 meses eu lutava na justiça. Eu corri contra o tempo e Tudo isso para participar dos jogos olímpicos do Rio de Janeiro. Perdas irreparáveis, afinal era meu caráter que estava em jogo, minha história no atletismo. E caráter é tudo na vida! Nesse período eu recebi desconfiança ao invés de força, perdi apoio. Eu suportei tudo isso, porque só eu sei o que realmente passei, o que é ser humilhada. Durante os 5 meses eu lutava na justiça para provar minha inocência. E quanto mais o tempo passava mais eram os obstáculos. Eu provei minha inocência!!!! Fui ao jogos olímpicos!!!!! Mais infelizmente tive uma lesão no joelho direito, que me custou 5 meses de fisioterapia, me custou também muitos problemas de saúde. Uma Parte da batalha foi vencida.( porque é meu caráter que está em jogo , minha história). Ser mulher É ser forte, corajosa, honesta, batalhadora, e não desistir da verdade, não deixar ninguém te humilhar. Ser mulher ,é ser doce, é poder ajudar ao próximo, é poder dizer quando você quer ou não fazer alguma coisa. ser mulher , é superar tudo! Feliz dia da mulher. #felizdiadamulher#womensday#mulher#atleta#corajosa#batalhadora#delicada#especial#carater#🙏🏼

Uma publicação compartilhada por Ana Claudia lemos🏃🏻‍♀️🙏🏼🇧🇷 (@aninhaclemos) em

Jornalista formada pela Cásper Líbero. Apaixonada por esportes e boas histórias.

Mais em Atletismo