O escândalo do doping sistemático, desvendado em 2015, pode fazer com que o atletismo mundial tome uma medida radical. Proposta feita pela European Athletics, a federação europeia da modalidade, sugere que todos os recordes mundiais e europeus obtidos antes de 2005 sejam apagados. Sim, é isso mesmo que você leu: para tentar resgatar sua credibilidade, a Iaaf (Federação Internacional das Associações de Atletismo) cogita rasgar sua própria história.
A justificativa para tal medida radical, caso seja aprovada, é tentar recuperar a confiança dos fãs do atletismo na modalidade. Svein Arne Hansen, presidente da federação europeia e dono da bizarra proposta, defende que sejam apagados os registros anteriores a 2005.
“Precisamos de uma ação decisiva para restaurar a credibilidade e confiança no atletismo”, disse Hansen. “Seria uma solução radical, admito, mas todos nós que amamos o atletismo estamos fartos desta nuvem de insinuações e dúvidas que existem sobre nossos recordes.”
O dirigente usa como argumento o relatório McLaren, produzido pela comissão independente da Wada (Agência Mundial Antidoping), que descobriu um esquema generalizado de doping, partindo especialmente da Rússia e tendo no atletismo um de seus maiores prejudicados. Não foi à toa que o país foi banido da Olimpíada Rio-2016 e muito provavelmente também do Mundial de Londres, marcado para o próximo mês de agosto.
Existe também uma justificativa técnica para essa retirada de antigos recordes. A Iaaf contém amostras de sangue e urina dos vencedores em Mundiais e Olimpíadas apensa de 2005 para cá, facilitando a revisão de resultados.
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O inglês Sebastian Coe , presidente da Iaaf, deu a entender que considerou interessante a ideia de se passar uma espécie de borracha no passado do atletismo. “Esta proposta mostra um passo na direção certa. Se for organizado e bem estruturado, é um caminho com boa chance de ganharmos de volta a nossa credibilidade”, afirmou.
Não nego que algumas marcas que resistem ao tempo podem mesmo terem sido obtidas por meio de métodos ilegais. No feminino, bons exemplos são nos 800 m, quando em 1983 Jarmila Kratochvilova, da então Tchecoslováquia, marcou 1min53s28, ou nos 400 m, que dura desde 1985, graças à Marita Koch, da então Alemanha Oriental (47s60). Diversos depoimentos e reportagens já constataram a utilização disseminada no doping pelos países do Leste Europeu.
A revisão radical, caso seja aprovada, apagaria, por exemplo, o recorde mundial de Mike Powell (EUA), no salto em distância (8,95 m), cravado em 1991. Da mesma forma, ficaria riscado do livro de recordes a inacreditável marca de 18,29 m do britânico Jonathan Edwards, de 1995.
É bem verdade, também, que esta mudança tiraria da história as controversas marcas obtidas pela americana Florence Griffith-Joyner nos 100 e 200 m (10s49 e 21s34, respectivamente). E não são poucas as pessoas envolvidas no atletismo que acreditam que os recordes de Florence tenham sido obtidos por meio de doping.
A decisão de apagar as marcas anteriores de 2005 só será definida no congresso da Iaaf, em agosto. Tudo indica que alguma mudança virá.