Há quem diga que todos nós temos uma missão. E que nada acontece por acaso. Pois imagine ter um sonho, começar a realizá-lo e pouco tempo depois, ter ele tirado de você após sofrer um acidente. Mas esse acidente acaba sendo um divisor de águas, que abriu seus olhos para o mundo. Esta é a história de Felipe Pi, ou como era chamado nos tempos de futebol, Felipe Mixirica. Se no campo de futebol ele não teve sucesso, no campo da solidariedade ele é campeão, com o Projeto Sem Limites.
Comecemos então pelo presente, antes de contar o passado. Felipe é o idealizador do projeto social chamado Sem Limites, no qual ele e mais oito pessoas dão aulas de natação para deficientes visuais, físicos e mentais. E de forma voluntária. Para entender essa história, agora sim, voltemos para o momento em que tudo mudou.
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Como grande parte dos meninos brasileiros, Felipe tinha o sonho de ser jogador de futebol. Se dividia entre treinos, trabalho e estudo, enquanto esperava pela realização do sonho. Que demorou a acontecer, mas se realizou. Depois de não passar em vários testes, enfim um clube abriu as portas a Felipe, quando ele tinha 20 anos. Foi o Ituano, em 2007.
Felipe, no entanto, foi contratado quando a Série B do Campeonato Brasileiro já estava em andamento e não pôde ser inscrito. Mesmo assim, ele continuou treinando com o time, que veio a ser rebaixado naquele ano, sob a promessa de disputar o Campeonato Paulista de 2008. Nesse meio, porém, o inesperado aconteceu.
A frustração – Divisor de águas
Como Felipe não estava jogando a Série B, ele ficava livre aos finais de semana e aproveitou para participar de outros campeonatos locais, de várzea. No final de 2007, em um amistoso, ele foi dividir uma bola com o adversário, que acabou deixando a mão no rosto e batendo no olho direito de Felipe. E ele acabou perdendo a visão deste olho.
“Quando aconteceu, eu não sabia o que estava acontecendo, que eu tinha perdido a visão. Mas aí fui percebendo que passavam os dias e a visão não voltava… Fui várias vezes ao médico fazer exames e no final, era algo mais grave”, contou ao Olimpíada Todo Dia. “Quando eu recebi a notícia, foi mais complicado. Acho que nem tanto pela visão, mas pelo futebol. Foi a primeira coisa que eu pensei. Poxa, uma coisa que eu gostava tanto…”
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O pós-acidente, como é de se imaginar, não foi fácil. Felipe ficou quase um ano em depressão, até que conseguiu colocar um ponto final no passado e partir para o futuro. Começou a cursar Educação Física e passou a estagiar na academia em que está até hoje e onde mudou, não só a sua vida, mas a de tantas outras pessoas.
“Tinha um pessoal que era deficiente visual e nadava lá (na academia). Comecei a observar as aulas e um dia perguntei para o professor se eu podia acompanhar uma aula, para aprender. E no começo, aquilo me fazia um pouco mal, porque eu via o pessoal cego e me perguntava se em dia eu ia ficar assim também… Mas depois, aquilo me fez bem e acabou sendo uma porta para eu começar a seguir outro caminho”, contou Felipe.
O projeto
“Quando eu jogava bola, não pensava nessas coisas, nas pessoas com deficiência. A gente não pensa nessas coisas até que acontece com a gente. E depois do acidente, eu comecei a mudar, olhar mais para as pessoas ao meu redor e ver que você pode ajudar de alguma maneira. Aquilo despertou um outro lado meu”.
Foi assim, então, que Felipe Pi teve a ideia de criar o Projeto Sem Limites e dar aulas de natação para deficientes. Pediu permissão à direção da academia para colocá-lo em prática e hoje, depois de quase cinco anos, já são 20 alunos, desde deficientes visuais, cadeirantes e até Síndrome de Down.
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Felipe contou, inclusive, que existe uma lista de espera com outros 15 interessados, que ele ainda não consegue contemplar, já que tem alunos que demandam uma atenção especial e equipe, voluntária, conta com apenas oito pessoas.
As aulas acontecem todos os sábados, do meia-dia às 14h. Após as atividades, os outros alunos da academia fazem um lanche para os participantes do projeto Sem Limites, o que promove também a inclusão.
A missão – Era para ser
O mais curioso desta história toda é que, até hoje, Felipe Pi não tem um diagnóstico fechado. Cada médico tem uma opinião diferente sobre o que aconteceu com o olho dele. O que prova ainda mais que a missão dele não era dentro de campo, era na piscina.
“Nada acontece por acaso. Tanto é que os médicos não sabem explicar exatamente o que aconteceu. Então eu acredito que cada um tem uma missão e a minha é esse trabalho, ajudar as pessoas. E tenho o sonho de expandir o Projeto Sem Limites e tentar ajudar cada vez mais pessoas”.
Mais do que ensinar natação para deficientes, Felipe Pi aprende, e muito, a cada aula. “Você aprende mais com eles do que ensina. É uma aula todo dia. Às vezes você pensa: puxa, vou ter que ir lá de sábado, cansado depois da semana inteira, poderia ficar em casa… Mas quando você termina o treino, todo mundo dando risada, se superando, aquela interação do aluno com Síndrome de Down ajudando o deficiente visual… Você percebe como está fazendo diferença na vida daquelas pessoas. Vale a pena”.
Muito mais do que atletas
O objetivo do Projeto Sem Limites, no entanto, não é necessariamente formar atletas. É a superação e solidariedade que importam. “Tem aluno que nunca tinha entrado na água. E hoje, ver alunos que tinham pavor de água nadando, não tem preço! Tem casos de alunos que perderam a visão há alguns anos e estavam em depressão. E hoje eles encontram uma maneira de sair dessa depressão, de não ficar o tempo todo em casa”.
“Então é muito bom ver como o esporte ajuda essas pessoas. A gente já conseguiu levar eles para algumas competições, festivais de natação, mas nosso objetivo não é formar atletas. É mostrar para eles mesmos que eles são capazes de fazer o que quiserem”, completou.
O improvável mudou a vida de Felipe Pi. E hoje, ele muda a vida de outras pessoas com o Projeto Sem Limites, dando mais do que “somente” aula de natação para deficientes. E tudo é como, de fato, deveria ser.
“Hoje, voltar a enxergar com os dois olhos não é mais uma prioridade. Eu vivo bem, faço tudo… E acho que nesse ponto o projeto me ajudou também, porque você vê tantas outras pessoas com deficiências mais complicadas e que estão aí, sem reclamar. Então eu diria para pessoas que passarem por algo parecido com o que eu passei, que acreditarem nelas. A tempestade sempre passa e sol sempre volta. E é o que eu falo para os meus alunos, é acreditar que eles são capazes de fazer o que quiserem. É só querer”.