“Eu gosto de me definir em três palavras: fé, foco e força. A fé em acreditar que é possível. O foco é sempre ter foco e objetivo. E a força de nunca desistir.” É assim que se apresenta Petrúcio Ferreira, representante do Brasil no atletismo paralímpico classe T47, para amputados de membros superiores. Nascido e criado na pacata São José do Brejo do Cruz, sertão da Paraíba, cerca de 400km da capital João Pessoa. Dono de duas medalhas em Jogos Parapan-Americanos e três nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro 2016. Além disso, é dono do recorde mundial dos 100m e 200m.
Um dia para esquecer ou agradecer?
A história de Petrúcio Ferreira começa na barriga de sua mãe: Rita Ferreira. Mulher de fibra, forte, batalhadora, que enfrentou dificuldades e passou a gravidez do primeiro, e esperado, filho sob medicamentos. Em uma cidade que o acesso a hospital era difícil, entrou em trabalho de parto e foi ajudada por um vizinho a chegar até lá.
Trabalhando para donos de um sítio, Rita e o marido Paulo levavam uma vida simples no campo, ao lado dos animais e o recém chegado bebê, que era um grude no pai. Foi então, com um ano e onze meses, que Petrúcio Ferreira viveu o que mudaria sua vida para sempre.
“Eu vinha com o gado e ele chorava para ir comigo. Chorando… Aí você sabe, né? ‘Primeiro filho o cabra quer tudo fazer os dengos.’ Aí eu peguei ele e levei pro estábulo. Daí eu cheguei lá e eu fui moer o capim para o gado. E ele assim encostado em mim. Quando eu escutei foi o grito… Quando eu olho pra trás está ele enganchado na máquina,” relembra o pai, Paulo do Santos.
O desespero foi tanto que ele precisou tirar o filho da máquina e levá-lo correndo para a mãe. A mão esquerda tinha passado pela máquina e acabou “enterrada no terreno”. “Eu só lembro que o pai dele vinha com ele gritando, quando eu vi ele, quando ele vinha chegando no terreiro, que eu vi que ele vinha balançando e a mão dele vinha pingando sangue. Aí eu corri para pegar ele. Ele também só fez jogar ele em meus braços, saiu de junto de mim e eu só gritava pelos vizinhos pedindo ajuda. Pedindo socorro. Eu só gritava por um vizinho, acho que eu sabia que ele sabia dirigir e era ele que ia me acudir para tirar ele de lá,” relembra entre lágrimas a mãe.
Petrúcio Ferreira não tem memória sobre esse dia, sobre a ida ao hospital ou coisa parecida, mas tem certeza do propósito do acontecimento em sua vida. “Quando eu comecei a perceber o que tinha acontecido comigo já com meus 14 ou 15 anos eu falava pro meu pai: ‘pai, se aconteceu isso comigo é porque Deus tem um propósito, não adianta você ficar triste, porque isso aconteceu. O importante é que hoje eu estou aqui contando essa história. Te admirava desde criança, como estava no trabalho com você, vendo você trabalhar, fui tentar imitar você e acabou que eu coloquei a minha mão na forrageira. E também porque Deus tem esse propósito. Olha, hoje eu sou campeão paralímpico, recordista mundial… Tudo graças a isso… No dia foi triste, mas hoje é uma grande alegria”, conta.
Ele nunca se abateu. Desde criança se adaptou muito rápido. A primeira vez que a mãe percebeu isso foi quando ele pediu ajuda para ela para juntar terra no quintal, pediu a mão dela emprestada pra concluir o que queria. Como sempre foi ativo e brincalhão, usou o acidente como forma de se divertir com quem achava estranho, mesmo quando a mãe dizia para ele parar porque as crianças tinham ‘medo’.
“As crianças que tinham medo do meu braço, eu chegava e corria atrás. Servi até para educar algumas. Falava: “se você der trabalho o braço de Petrúcio vai te morder.’ Aí quando algumas crianças perguntavam: ‘o que foi isso na sua mão, na sua mãozinha?’ Eu falava: ‘foi dando trabalho a pai. Perdi a mão'”, se diverte lembrando Petrúcio Ferreira.
Atletismo? O que é isso?
“O esporte dele era a bola, o que tinha aqui era isso”, conta a mãe Rita. Num país como o Brasil não é de se espantar que o sonho de menino de Petrúcio Ferreira era ser jogador de futebol e o atletismo estava muito longe de passar na cabeça do menino. Os pais mesmos são bem sinceros ao dizer que se quer entendiam sobre atletismo ou esporte olímpico.
O atleta sempre gostou de jogar bola e foi quando representava o colégio em um campeonato de futsal na cidade de Catolé foi “encontrado” para uma modalidade completamente nova. “Ao participar do futebol, representando o time do colégio da minha cidade, um dos organizadores dos Jogos Escolares da Paraíba, chamado Ricardo Ambrósio, me viu jogando futsal e me viu me destacando entre os demais. Por faltar uma mão e mesmo assim não se intimidar com ninguém. Ele falou com o meu professor do colégio na época, conversou com ele e perguntou se ele não queria me inscrever no atletismo paralímpico para participar de uma prova de 100m, que é uma prova de velocidade”, contou.
Aí a brincadeira da criança começou a criar ares de profissão. Rita sempre foi muito desconfiada e tinha medo de estar sendo enganada. Chegou a cogitar não deixar Petrúcio viajar, quando ele foi convidado para participar de uma competição em São Paulo foi preciso a Confederação Paralímpica Brasileira ligar para ela e convencê-la. Chegava a argumentar com o filho que o levariam e o deixariam na capital paulista, longe da família. Por sorte, entenderam que esse seria mesmo o futuro do filho: o mundo. E deixar voar seria inevitável!
Sonho ou realidade?
“Chegou aquele menino meio franzino, menino do interior mesmo. Bem pacato. Aí eu olhei pra ele assim… ‘Será que ele é veloz mesmo?’ Aí eu mandei ele fazer um trote aqui para aquecer aqui no campo. Quando ele deu umas dez passadas assim… Eu me espantei. Ele não fez nada correndo, foi trotando, mas a maneira como ele pisava no chão… A cada passada parecia que ele tinha uma mola no pé,” relembra Pedro de Almeida, técnico de Petrúcio Ferreira e popularmente conhecido como Pedrinho.
O menino encantou o treinador, encantou a capital da Paraíba, o estado de São Paulo, o Brasil inteiro… E foi crescendo no cenário brasileiro, que passou a conquistar o mundo. Na sua classe, duas medalhas no Parapan-Americano de Toronto 2015: ouro nos 100m e ouro nos 200m da classe T47. Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro 2016 triplo pódio: ouro nos 100m, prata nos 400m e nos 4x100m.
“A ficha veio cair pra mim, realmente, em 2016, mas não durante os Jogos. Depois dos jogos. Foi quando eu consegui assistir aos vídeos da competição e tudo que eu fiz. Todas as medalhas que eu participei, as medalhas que eu conquistei para o meu país. Para mim tudo aquilo era um sonho. Até que depois eu acordei do meu sonho e vi que tudo aquilo tinha sido realidade”, se emociona o atleta. “Eu me orgulho muito desse feito, que foi um feito nosso”, confirma o treinador.
Foco em ser o paralímpico mais rápido do mundo!
Acabou por aqui? Só que não! Dono do recorde mundial dos 100m em 2017, Petrúcio Ferreira bateu a sua própria marca ao vencer o Grand Prix de Paris e fazer 10s5o, em 2018. Além, claro, do recorde nos 200m, no mesmo ano, para 21s17. É verdade que 2019 começou com um susto e o acidente no rio, mas que já é coisa do passado. Agora, voltou a treinar firme em busca do novo objetivo: “Em 2020 eu quero chegar no meu melhor. Minha primeira meta é chegar no paralímpico mais rápido do mundo.” Que é o irlandês Jason Smyth, que na classe T13 (baixa visão) fez os 100m para 10s46 nos Jogos de Londres 2012.
“Ele vai pro ringue e não tem medo de ninguém, ele não teme ninguém, respeita todo mundo, é bom que se diga. Respeita todo mundo, mas não se abate com a presença de ninguém na pista,” garante o treinador e estrategista, praticamente o segundo pai de Petrúcio, Pedrinho.
O objetivo dentro das pistas está traçado. E fora delas a meta é muito maior e já vem sendo contruída dia a dia através do exemplo: “Hoje, eu quero mudar mais a visão das pessoas. Mudar mais a visão das pessoas em respeito as pessoas com deficiência. Muitos ainda veem a pessoa com deficiência como coitadinho, tem até vergonha… Uns tem vergonha de andar com pessoas deficientes. Algumas mães ainda tem o preconceito de esconder seus filhos com deficiência. ‘Gente, nós não somos deficientes, nós somos eficientes. Viemos para mostrar ao mundo, que nada é impossível. Não é uma mão, um problema físico que você eu tenha na perna, que vai me impedir de alguma coisa. Basta acreditar, que tudo é possível. A deficiência não está na forma física, mas está na cabeça de cada um”, garante Petrúcio Ferreira.