A Missão Europa foi a gota d’água do descaso com a natação feminina. Larissa Oliveira, a maior medalhista brasileira em Jogos Pan-Americanos, revelou em live com o Olimpíada Todo Dia que a foto de Poliana Okimoto uniu todas as nadadoras e levou propostas à CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) em prol de mudanças.
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“A primeira medida é ser escutada. Eles precisam escutar a gente. E o que eu mais falo, o que eu mais bato na tecla antes delas irem na reunião [com a CBDA] é que a gente não quer favor; a gente não quer benevolência, não queremos que eles tenham dó. Queremos que eles façam um trabalho com a gente. A gente quer atenção, apoio”, disse com exclusividade ao OTD.
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“Eu posso falar em nome de todas as meninas da natação: nós não somos satisfeitas com os resultados que a gente tem. Mas só ter essa sensação não é suficiente. Precisamos de alguém que acredite, apoie e incentive a gente. E esse apoio precisa vir do Comitê Olímpico, da CBDA, dos clubes, dos nossos próprios técnicos”, completou Larissa Oliveira.
E, não para por ai. Se quase não foram mulheres atletas para a Missão Europa, também não foram convocadas mulheres na comissão técnica – nem fisioterapeuta, nem treinadora. Isso escancara um problema ainda mais profundo no cenário.
“Então, mais do que ser ouvida, é ter atitudes focadas para a natação feminina. É o que eu falei: não é dó, não é pena. A gente quer ação. Queremos alguém que faça alguma coisa pela gente. Não estamos satisfeitas com os nossos resultados. Queremos melhorar e para isso, precisamos de um apoio maior”.
Momento de união
Hoje as mulheres estão mais unidas do que nunca, segundo Larissa. “A gente tem dois grupos com todas as nadadoras. Estamos montando propostas para a CBDA. Tudo começou com a foto da Poliana. Começamos a discutir entre nós e levantamos questões que nos incomodaram muito. Essa Missão Europa foi a gota d’água. Foi a cereja do bolo pra gente falar ‘chega’,” afirmou.
“A Poliana foi o start para toda essa revolução. Não só a Poliana, a Joanna Maranhão lutou a vida inteira dela contra todas as injustiças que tinham. E hoje, mais velhas, nós vemos o quanto ela sofreu e o quanto ela estava certa, em todo o momento”.
E o revezamento feminino?
Na natação, os 12 primeiros colocados do revezamento no Campeonato Mundial vão direto para os Jogos Olímpicos. As outras quatro vagas são distribuídas através do ranking mundial aos quatro melhores tempos do mundo, excluindo obviamente os 12 países já classificados.
No Mundial de 2019, realizado nem Gwangju, na Coreia do Sul, os critérios impostos pela CBDA para levar atletas eram técnicos. O Brasil levaria, no máximo, 24 atletas. As meninas do revezamento 4 x 100 m livre ficaram longe do índice técnico imposto, não tendo a chance de buscar uma das primeiras 12 vagas distribuídas.
Ainda assim, o quarteto feminino brasileiro registrou a segunda melhor marca da repescagem em 2019. Somente a França foi superior ao Brasil. Desta forma, o 4 x 100 m feminino estaria, portanto, pré-classificado para Tóquio-2020 e deveria estar contemplado na Missão Europa pela CBDA.
“Eles [CBDA] fizeram um critério que era baseado no ano de 2019. Todo mundo que estivesse com tempo pra ir para a Olimpíada estaria automaticamente convocado para integrar a Missão Europa. Houve exceções da CBDA voltadas para a natação masculina. Só que o revezamento 4 x 100 metros livre feminino, que estaria classificado pra Olimpíada pela vaga da repescagem, não foi considerado. A gente ouviu da CBDA que ‘não passou pela cabeça que esse revezamento se encaixaria no critério’. Ou seja, isso só mostra um destrato deles com a gente, né?”
Cadê o diretor?
“Não tem diretor de natação, não tem coordenador… É muito complicado. É a função deles saber os critérios, saber quem está classificado! Aí elas questionaram: ‘Mas tem mais revezamentos feminino que estão classificados?’ E eles não sabiam mas tem mais revezamento que está classificados? E eles não sabiam responder!”, desabafa Larissa Oliveira.
“Isso só mostra o quanto de descaso eles têm com a gente. E a gente quer ajuda. Estamos gritando ‘Socorro! Alguém ajuda a gente!’ Não queremos ir para a Olimpíada pra ganhar experiência. Queremos pegar semifinal, final, brigar por medalha. Queremos resultados expressivos e precisamos do apoio deles. Infelizmente, não conseguimos fazer isso sozinhas”, completa.
Larissa ressalta que não é sobre ela, mas sim em prol de um bem maior: “Eu não poderia ir para Portugal nesse primeiro momento [em virtude dos tempos apresentados em 2019]. Já poderia dispensar o meu nome. Mas eu queria que as minhas adversárias, minhas companheiras de revezamento, estivessem lá representando a natação feminina, mas… Infelizmente, a gente não tem espaço. Poucas vezes somos ouvidas e quando somos, parece que nada fazem por nós.”
Mulheres unidas e o futuro da modalidade
“Não só atletas. Comissão técnica também. Não é possível que o Brasil, com milhões de profissionais excelentes, não tenha uma fisioterapeuta, uma massagista mulher no alto rendimento. A comissão foi inteira masculina – pelo menos a que eu tive acesso.”
“Poucas vezes temos apoio e incentivo, mas na hora do resultado, somos cobradas. Aí falam que é a menina que teve um atraso. Mas o que causou esse atraso, esse resultado indesejado? Tivemos apoio e atenção? Fomos trabalhadas? Se não tenta mudar isso hoje, daqui há 10 anos, as meninas vão estar no mesmo patamar. Elas vão estar na luta por espaço. Precisamos sim, levantar a nossa voz e pedir atenção. Por nós e por toda a geração que vem aí”, diz Larissa Oliveira.
“A gente está a todo o momento em contato no grupo [no WhatsApp]. Temos conversado bastante sobre assuntos, atitudes, ideias que possamos passar pra Confederação pra fazer com que a gente melhore. Inclusive já tem uma próxima reunião marcada.”
“Estamos tentando recrutar as ex-nadadoras pra brigar por nós e nos orientar. Como elas já percorreram esse caminho de luta e busca por espaço, queremos a ajuda delas para saber o que fazer e não cometer o mesmo erro e continuar estagnadas.”
“Queremos levar um projeto estruturado que mostre como fazer a natação feminina evoluir. Parece que vai ter de partir da gente essa evolução, né? Queremos montar algo desde as meninas do infantil até as que já estão na seleção principal para buscar a tão sonhada evolução da natação feminina”.
“Estamos muito unidas e não vamos ficar quietas dessa vez. Já passou da hora de ficar relevando as coisas… Precisamos achar um jeito da natação feminina evoluir e isso vai começar agora. Ao menos já estão nos escutando, o que é um ótimo avanço”, termina Larissa Oliveira.