No dia 22 de abril de 1500, o navegador português Pedro Álvares Cabral ancorou em uma terra desconhecida denominada por ele de Ilha de Vera Cruz, após se perder no Oceano Atlântico na tentativa de encontrar o caminho para as Índias. Estava assim, descoberto o Brasil.
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No aniversário de 520 anos do descobrimento, o Olimpíada Todo Dia preparou uma série de reportagens especiais sobre a conexão esportiva entre Brasil e Portugal. Na de hoje, abordaremos a história de alguns atletas brasileiros que foram na contramão da rota de Cabral e saíram do país na busca por melhores condições de vida e resultados, descobrindo na “Terrinha” a sua segunda casa.
Falaremos com a atleta do tiro com arco Jane Karla, que se mudou há dois anos para Portugal para viver e treinar, Bruna Takahashi, melhor mesatenista do Brasil que atua pelo Sporting, de Lisboa, e com a judoca Rochele Nunes, que em 2019 se naturalizou portuguesa e hoje compete pela nação lusitana.
Segurança, culinária e geografia: pontos fundamentais para as três atletas
Portugal: um país pequeno e calmo
Com uma população quase vinte vezes menor que a do Brasil e um tamanho em extensão que chega a ser um pouco menor do que o estado de Pernambuco, Portugal é um país bem mais tranquilo para se viver. Com um povo hospitaleiro e uma cultura muito próxima a nossa, Jane Karla, Bruna e Rochele se adaptaram rapidamente a vida no país.
Jane Karla foi a primeira das três a se mudar para Portugal. A campeã do tiro com arco nos Jogos Parapan-Americanos de Toronto 2015 deixou Goiás, seu estado natal, após uma experiência traumática que infelizmente muito muitos brasileiros enfrentam.
“Nunca imaginei sair para morar em outro país, até o dia que tivemos um assalto em nossa casa. Eu, meu esposo e meus filhos fomos feitos de reféns. Nos trancaram no quarto e levaram meu marido, dizendo que iam matá-lo. Esses momentos terríveis nos trouxe a ideia de sair do Brasil. Portugal foi a melhor opção, principalmente pela língua”, declarou a atleta.
Jane Karla participando do Campeonato Português
Jane Karla escolheu bem. De acordo com o Global Peace Index (GPI), Portugal é considerado o quarto país mais pacífico do mundo.
Esse foi um dos muito motivos que levou a judoca Rochele Nunes a gostar tanto do país, ao ponto de se naturalizar portuguesa menos de um ano após sua chegada.
Assim como Jane Karla, Rochele também se mudou para o país europeu em 2018. Segundo ela, por ser um local mais seguro, com a cultura semelhante a do Brasil e que lhe dá a oportunidade de participar de mais competições internacionais, a gaúcha de 30 anos e atleta do Benfica entrou com um pedido de naturalização na sequência, conseguindo a cidadania no início de 2019.
“Eu gosto de praticamente tudo, o que mais me agrada é a qualidade de vida que tenho aqui. Uma vida mais segura e melhor planejada,” disse Rochele.
” O que eu mais gosto em Portugal são as pessoas e a parte turística; Adoro passar pela rota onde fica a Torre de Belém (foto) e terminar comendo um pastel de Belém”
Tão gostoso quanto o Brasil. Às vezes mais um pouco.
Com o problema da segurança resolvido, Jane Karla chegou na terra de Luiz Vaz de Camões com medo de que a culinária portuguesa fosse completamente diferente da brasileira, algo que muitas pessoas que moram fora do Brasil sentem ao deixar o país.
Bruna Takahashi também teve o mesmo receio antes de se transferir para o Sporting, de Lisboa, no segundo semestre de 2019. Para a surpresa da melhor mesatenista brasileira, a culinária local lhe agradou muito, ao ponto de tornar o fator que mais lhe agrada na cultura portuguesa.
“A comida é o que mais gosto de Portugal. Geralmente quando eu viajo pra outros lugares, sinto falta da comida brasileira. E em Portugal a comida é perfeita, parecida com a nossa. Os temperos, principalmente. Me lembra muito o Brasil”
Rochele Nunes e Jane Karla disseram que também se sentiram como Bruna quando desembarcaram no país, mas que conseguem achar os produtos típicos do Brasil devido a grande comunidade brasileira que reside em Portugal. São mais de 150 mil brasileiros vivendo no país europeu, segundo dados enviados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras português.
“Achei que iria sentir muita falta da comida do Brasil. Mas aqui se encontra muito mercados e restaurantes brasileiros. Ajuda bastante quando bate aquela saudade,” diz Rochele.
Jane Karla completa dizendo que além da facilidade ao acesso a comida brasileira, alguns alimentos típicos portugueses a agradam bastante.
“Gosto muito de pastel de nata, pão de Deus, sumol, bolo de arroz, sopa de pedra… tem muita coisa boa. Tem um prato feito com polvo chamado Choco que é muito bom.”
Portugal e Brasil: longe e perto ao mesmo tempo
Esportivamente falando, nenhum fator ajuda tanto Rochele Nunes, Bruna Takahashi e Jane Karla como a geografia portuguesa. Por estar na Europa Ocidental, é o país mais próximo do continente ao Brasil, facilitando um pouco as idas e vindas. Mais importante que isso, o país deixa as atletas mais perto dos principais torneios de suas respectivas modalidades.
Jane Karla indo competir pelo seu clube, o Sporting. Viajar pela Europa a partir de Portugal e disputar maiores competições é mais fácil
“Portugal está muito mais próximo aos países onde temos as principais competições e treinamentos do mundo, já que a maioria é realizada na Europa. Isso acaba sendo uma grande desvantagem para o Brasil, principalmente por questões financeiras,” analisa Rochele.
“No meu caso, só fica ruim disputar as competições no Brasil. Mas mesmo assim, compensa,” completa Jane Karla.
Rochele Nunes competindo pela seleção portuguesa de judô
“Os melhores atletas estão aqui. O único problema para mim é ter meu técnico no Brasil e ter que treinar a distância. Mas a tecnologia ajuda,” diz Bruna.
Mesmo em português, sotaque e velocidade dificultam
Se engana quem pensa que só porque em Portugal se fala o mesmo idioma do Brasil, as três atletas não tenham nenhum tipo de problemas linguísticos por lá. Todas sofreram no início (e até hoje sofrem, mesmo que já mais acostumadas) com o modo de falar dos portugueses.
Bruna Takahashi turistando em Portugal
“Eles falam muito rápido e mais puxado. No começo era bem difícil entender. Cada cidade tem o seu modo de falar, o que deixa tudo ainda mais complicado. Mas depois, você acostuma,” comenta Bruna.
Vivendo a mais tempo no país, Rochele e Jane Karla relatam problemas com algumas palavras ou expressões que sequer existem no português falado por aqui. Em outros casos, as duas travam em palavras que possuem um significado completamente diferente no Brasil, o que, em via de regra, gera histórias curiosas e muito engraçadas.
Rabo e Café Pilão
“Eu, no início dos treinos, não entendia muito o que o treinador pedia. Eu ria muito da forma como me explicavam o modo certo para utilizar o meu quadril. Aqui em Portugal, pra falar do quadril, eles usam a palavra “rabo” no lugar,” relata Rochele aos risos. “Pelo menos aqui eu, como gaúcha, posso falar “cacetinho” ao me referir ao pão francês [risos]. É igual ao Rio Grande do Sul,” brinca Rochele.
Rochele com o kimono da seleção brasileira de judô
As palavras com diferentes significados nos dois países transformou um simples saco de café de presente em post repleto de risadas nas redes sociais de um amigo lusitano de Jane Karla.
“Tenho um amigo português que gosta muito de café. Um dia fui ao Brasil e trouxe a ele um saco de café da marca Pilão. Entreguei pra ele na maior inocência, porque ainda não sabia que “pilão” aqui significa “pênis grande” [risos]. Quando ele viu a marca, começou a gargalhar e até postou no facebook,” relembrou Jane Karla às gargalhadas.
Jane Karla em Portugal competindo pelo Sporting
Maturidade, força e poder de adaptação: o que cada uma descobriu ao viver em Portugal
Assim como fez Cabral há 520 anos, Bruna Takahashi, Rochele Nunes e Jane Karla também fizeram seus descobrimentos pessoais ao atravessar o Oceano Atlântico para viver e treinar em Portugal. Cada uma destaca um aprendizado principal.
Bruna Takahashi, a mais nova das três, conta que descobriu o significado da palavra “maturidade”.
“Em Portugal me senti mais preparada para fazer as coisas. Acho que fiquei mais independente e responsável por estar sozinha.”
Bruna competindo no Aberto de Portugal
Já Jane Karla destacou a força conquistada após esses dois anos vivendo no exterior, algo nada fácil para a atleta goiana.
“É difícil viver longe de seu país; a saudade de tudo e de todos dói muito, mas consegui ser forte o suficiente para continuar aqui. E agora me sinto um pouco mais em casa.”
Por fim, Rochele Nunes apontou seu poder de adaptação ao realizar uma empreitada que não tinha ideia se daria certo ou não e que acabou tendo uma naturalização como resultado.
“Já me sinto super acostumada e acho difícil de voltar a viver no Brasil, sempre falo que meu sangue e brasileiro mas Portugal conquistou o meu coração. Me adaptei muito ao País e já estou construindo aqui a minha vida,” finalizou a judoca.