A história irá cobrar caro pela insistência do COI (Comitê Olímpico Internacional) e do próprio governo do Japão em tentarem negar o óbvio: a impossibilidade de realizar a Olimpíada de Tóquio neste ano.
A teimosia de tentar ganhar tempo para decidir se os Jogos serão ou não realizados este ano pela pandemia do coronavírus sofreu um duro golpe nas últimas 24 horas, após mais um comunicado oficial do comitê executivo do COI, desta vez estabelecendo um prazo de quatro semanas para definir o destino da Olimpíada.
Pois bem, esqueçam estes prazos. A Olimpíada não acontecerá este ano.
O golpe final no quadro de otimismo exagerado do COI e do comitê japonês foi dado pelo canadense Dick Pound, o mais antigo membro da entidade. Em uma entrevista nesta segunda-feira (23) ao jornal “USA Today”, ele não fez mistério: o adiamento já está decidido. Só falta que seja feito o anúncio formal por parte do COI.
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Foi o mesmo Pound, em fevereiro, quem disse pela primeira vez que o COI teria três meses para confirmar se a Olimpíada de Tóquio poderia acontecer, diante da então epidemia do coronavírus. Na época, ele foi bastante criticado por ter dado o que seria uma “opinião pessoal”.
Reação em cadeia
Antes da entrevista de Pound repercutir mundialmente, uma reação em cadeia foi destruindo os argumentos do COI para segurar as pontas antes de tomar uma decisão sobre Tóquio-2020. Em um intervalo de apenas algumas horas desde o comunicado de domingo, países já avisaram que não irão disputar os Jogos neste ano, com a situação do coronavírus incontrolável em boa parte do planeta.
A posição do Canadá e Austrália no domingo à noite (22), e da Alemanha e Noruega nesta segunda (23), de boicotarem a Olimpíada por uma questão de saúde pública, obrigará que uma decisão oficial seja tomada mais rápido do que imaginavam os dirigentes. Bem antes do tal prazo de quatro semanas.
Não há condições de se realizar a Olimpíada de Tóquio dentro do prazo original. Isso está mais do que óbvio.
Equação complicada
Ninguém nega que o comitê organizador terá problemas muito complexos para resolver com o adiamento da Olimpíada.
Primeiro, seriam os custos dos funcionários que trabalham na organização dos Jogos. Originalmente, as despesas estavam previstas para terminar no final deste ano. Seriam mais 12 meses pagando salários para todos.
Da mesma forma, há despesas de infraestrutura de instalações provisórias das competições, por exemplo. Como pagar esta conta? E as passagens aéreas já compradas (para atletas e torcedores), diárias de hotéis pagas etc…como resolver esta equação?
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Mais um ponto: a Vila Olímpica. Os prédios que receberão os atletas serão transformados após os Jogos em conjuntos residenciais. Todos inclusive já vendidos. Como seria feito para convencer a pessoa de não poder entrar em seu apartamento por mais alguns meses, em decorrência de um possível adiamento para o ano que vem?
Em uma live que participei no último domingo à noite com a professora Kátia Rúbio, pesquisadora e especialista no movimento olímpico, pelo Facebook, tratamos deste tema. E ela colocou um ponto importante, que não pode ser descartado em toda a discussão: o fato da Carta Olímpica exigir que a Olimpíada tenha que acontecer ainda este ano. Para modificar isso, só mesmo uma assembleia extraordinária do COI aprovando a mudança no documento, criado pelo Barão de Coubertin nada menos do que 126 anos atrás. Não haverá tempo para isso acontecer.
Pode parecer surreal (e talvez seja) ficar falando em um documento que dita o período de disputa de uma competição. Mas estamos falando de uma entidade centenária, extremamente conservadora e avessa às mudanças. Não tenho certeza de que uma pandemia como esta que vivemos irá convencer a turma do COI a esquecer suas regras e conceitos.
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Minha aposta é que para salvar todo o investimento feito em instalações, patrocinadores, direitos de TV e o que resta da imagem do COI, irão passar por cima da Carta Olímpica e remarcarão os Jogos para 2021.
Com isso, dane-se o ciclo de Paris-2024, calendário esportivo do ano que vem repleto de mundiais e desta forma, preserva-se a saúde das pessoas. Como bem lembrou a professora Kátia durante a live, será uma outra competição, mas não será a Olimpíada como conhecemos até então.
Viveremos uma mudança de paradigma no mundo olímpico, gostem ou não.