Correr é uma atividade esportiva das mais democráticas. Todo mundo pode praticar. Basta um par de tênis e você já pode sair trotando por aí. Não à toa, maratonas de cinco e 10 quilômetros se multiplicaram pelo Brasil.
Se você já participou de alguma dessas provas ou simplesmente curte uma esteira, imagine correr alguns quilômetros descalços. Agora, imagine correr uma maratona completa sem tênis. Isso mesmo, correr 42 quilômetros com a sola no aslfato! Este homem não só fez isso, como venceu uma corrida válida pelos Jogos Olímpicos!
Hoje, no quadro Kenji Stories, eu conto a história do Abebe Bikila, um etíope nascido na década de 1930 e que é considerado o maior maratonista de todos os tempos.
Para contar nossa história de hoje vamos voltar a 1960. Naquele ano foram disputados os Jogos Olímpicos de Roma, na Itália. Pela primeira vez, a prova da maratona foi realizada à noite. Os participantes correram sob as luzes de tochas erguidas por soldados romanos.
Abebe Bikila, o protagonista desta história, quase não participou da corrida. Ele viajou para Roma de última hora para substituir o atleta Wami Biratu, que havia quebrado o tornozelo jogando futebol.
Acontece que a Adidas, que era patrocinadora oficial da Olimpíada, tinha poucos pares de tênis para Bikila escolher. Ele não achou nenhum confortável e decidiu correr descalço mesmo, do jeito que ele costumava treinar na Etiópia.
Pois o Bikila não só venceu a maratona, como bateu o recorde mundial da prova. Ele correu os 42 quilômetros em pouco mais de 2h15. Além de tudo, o etíope tornou-se o primeiro negro africano a conquistar uma medalha de ouro olímpica.
Em entrevista depois da corrida, o Bikila disse que correu descalço porque queria que o mundo soubesse que a Etiópia sempre consegue vitórias com heroísmo e determinação. Não preciso nem dizer que ele virou herói nacional, né?
Na época, surgiu até um ditado popular: “foram necessários um milhão de soldados italianos para invadir a Etiópia, mas apenas um soldado etíope para conquistar Roma”. A frase tem a ver com a Guerra Ítalo-Etíope, que durou de 1935 a 1936, quando a Itália invadiu o país africano.
De volta ao país dele, Bikila foi promovido a cabo do exército e ganhou uma condecoração do imperador Haile Selassie.
Só que essa história de exército acabou dando uma dor de cabeça para o maratonista. Logo após os Jogos de Roma, houve uma tentativa de golpe militar na Etiópia e os rebeldes obrigaram Bikila a participar do movimento. Os relatos são de que o atleta não manjava de política e se recusou a matar qualquer autoridade.
Por essa postura, o maratonista foi perdoado. E o povo também pediu clemência ao imperador porque o Bikila tinha faturado a medalha de ouro para o país.
Depois de toda essa confusão, ele voltou a correr em maratonas. Ele só não ganhou uma prova que disputou: a badalada Maratona de Boston, nos Estados Unidos, na edição de 1963.
Mas, logo no ano seguinte, Bikila voltou a participar de uma Olimpíada. Mas quase que ele ficou de fora de novo. Faltando pouco mais de um mês para os Jogos de Tóquio-1964, o etíope sofreu de apendicite aguda e passou por cirurgias. Depois disso, ele voltou a treinar, mas não em um ritmo adequado para uma prova tão importante.
E não é que ele ganhou a medalha de ouro de novo? Sim, tornou-se o primeiro homem a ser bicampeão da maratona olímpica. E não é que ele correu descalço de novo? Não! Isso não. Por exigência dos organizadores, o Bikila tava lá, bonitinho, de tênis, para bater novamente o recorde mundial da prova, cumprida em pouco mais de 2h12.
O etíope também participou dos Jogos Olímpicos da Cidade do México-1968. Mas ele sofreu uma contusão no joelho ainda no quilômetro 17 e teve de abandonar a prova.
Por ironia do destino, o homem que ganhou o mundo correndo ficou paraplégico aos 37 anos de idade, após sofrer um acidente de carro.
Quatro anos depois, Abebe Bikila morreu. Ele teve hemorragia cerebral, uma complicação neurológica em decorrência do acidente de carro. Mais de 75 mil pessoas compareceram ao sepultamento do atleta que protagonizou uma das histórias mais incríveis do esporte olímpico.
Em 2012, ele entrou para o Hall da Fama do Atletismo. E na data de nascimento dele, 7 de agosto, é comemorado o Dia do Maratonista.