Da arquibancada da Arena Carioca 2, Raquel vibrou a cada luta, a cada vitória da irmã Rafaela Silva, que alcançou no Rio de Janeiro a medalha de ouro que as duas colocaram como sonho quando começaram juntas no judô. Agora, ela quer viver isso pelas próprias mãos. Mais velha do que a campeã olímpica, a judoca de 27 anos quer a partir do Aberto Europeu de Glasgow, que acontece neste final de semana, construir uma trajetória que lhe garanta uma vaga para estar nos Jogos de Tóquio em 2020.
“Quero dar o máximo, dar tudo o que eu tenho para tentar não somente estar participando da Olimpíada, mas também tentar trazer uma medalha. Eu acho que eu tenho que tentar inovar, tentar montar estratégias diferentes, tentar coisas novas. Aproveitar as oportunidades em todas as viagens que tiver, tentar fazer o máximo para pontuar porque agora como é em Tóquio a vaga não é do país e sim do atleta. Então eu tenho que conquistar a vaga pelos meus méritos”, afirma a judoca.
Raquel e Rafaela começaram juntas no judô. A família vivia na comunidade pobre da Cidade de Deus no Rio de Janeiro. Os pais Luiz Carlos e Zenilda queriam encontrar uma atividade para não deixar as meninas soltas na rua. “Meu pai e minha mãe trabalhavam fora e a gente morava na Cidade de Deus. A gente ficava na rua sem nada para fazer. E na Cidade de Deus, na rua, não tem muitas coisas que prestam. Então minha mãe foi procurar um esporte para a gente ter uma ocupação no horário livre”, conta Raquel, que lembra que o judô não foi a primeira opção de nenhuma das duas irmãs.
“Eu escolhi a dança e minha irmã o futebol. Só que aí o futebol só tinha para menino e a dança já tinha todo mundo enturmado, não tinha ninguém novo. Aí eu não me enturmei e não quis fazer. Acabamos indo para o judô assim por coincidência”, se diverte a judoca, que era apontada na infância como a mais promissora das irmãs.
Mas uma série de fatos acabou atrapalhando a carreira de Raquel. A começar por uma gravidez precoce, quando tinha apenas 15 anos. Por um tempo, tentou esconder a gestação para continuar competindo, mas acabou sendo descoberta. Teve que parar por um tempo, mas assim que Ana Carolina nasceu em 2005, voltou a competir 28 dias depois do parto. O judô era sua vida e a atleta não conseguia ficar longe do tatame. Mas em 2007 rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito. Três anos depois, teve a mesma lesão, mas no joelho esquerdo.
Ao mesmo tempo que Raquel sofria com o calvário de lesões, Rafaela começou a brilhar. Foi campeã mundial júnior em 2008 e ganhou a prata em 2011 nos Jogos Pan-Americanos e no Mundial adulto. Depois de quase desistir da carreira em 2012 por conta de ofensas racistas que recebeu pela internet por conta da eliminação na Olimpíada de Londres, a campeã olímpica contou com o apoio da irmã para se reerguer. Em 2013, foi campeã mundial e, neste ano, conquistou o título mais importante de todos: a medalha de ouro na Rio 2016.
Depois de viver o sonho pela trajetória de Rafaela, Raquel quer fazer tudo isso com as próprias mãos. Inspirada na irmã campeã olímpica, ela começa em Glasgow a correr atrás da vaga para os Jogos de Tóquio em 2020 para, quem sabe, trazer duas medalhas lá do Japão para a família.
“Parece que foi um sonho concretizado. A realização de um sonho que a gente vê, aquele sonho que é só um sonho e vai crescendo. A Rafaela foi ganhando as competições e o sonho foi aumentando até chegar à realidade. Eu fiquei muito orgulhosa e tenho orgulho dela até hoje de tudo o que ela conquistou, com certeza vou buscar a mina medalha. Se Deus quiser, as duas medalharem em Tóquio”, deseja Raquel, que terá 31 anos em 2020 e tem consciência que será a última oportunidade de sua carreira.
“A idade vai chegando, né? Sou mulher, mulher é mais difícil de se manter em alto rendimento. Então, acho que vou chegar lá no meu auge e depois do meu auge aí já deu. Vai ser o dever cumprido”.